Trevas da memória: Contribuição para um estudo interpretativo  sobre a vida de Santos:: Santa Inês do Menino Jesus e da Sagrada Face-séc XIX.

Rodolfo Frank Gonçalves*
UNESP

Resumo:  Este ensaio procura discutir as contribuições da antropologia religiosa em relação ao sagrado para interpretarmos a vida e a experiência religiosa de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face no final do século XIX. Tal enfoque fornece os instrumentais adequados de conhecimento do homem frente as mais diversas expressões comportamentais no âmbito dos fenômenos religiosos, suas motivações e espiritualidade. A antropologia religiosa permite  a apreensão e compreensão dos postulados ocultos das elaborações doutrinárias e espirituais. O referencial  antropológico  permite captar o  extraordinário no cotidiano. Os breviários e a reflexões escatológicas expressam os sentimentos religiosos em seu mais profundo sentido. Tais confissões íntimas revelam em parte os desejos e as emoções vividas no mais profundo âmago da existência humana. Tais escritos enquanto confissões íntimas permite fazermos uma leitura e penetrarmos no coração das sensibilidades cotidianamente vivida, assim como fornece uma explicação do itinerário religioso-ético-moral, constitutiva de uma ascese espiritual. Tal ascese espiritual, além de esboçar as visões do mundo, são também códigos e estilos de comportamentos. A literatura mística contida nos breviários revela a estrutura mental os gestos, as emoções, incertezas e angustias diante da vida e da morte Os fenômenos religiosos pertencem ao longo prazo.

Unitermos: Antropologia religiosa, sonhos, Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face, sagrado, metodologia.

I - Introdução:

O religioso exprime o humano quase em sua mais alta e mais enérgica medida”.

Alphonse Dupront

“ O Bom Deus, concedeu-me a graça de conhecer o mundo na medida suficiente exata para o desprezar, e dele me conservar afastada” .

Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face

“As grandes mensagens têm que nascer de fontes puras e corresponder aos ideais profundos do homem. Não podem ser muitos gerais, nem puramente teóricas. Hão de agir a curto e a longo prazo, influenciando ao mesmo tempo diversas áreas da vivência humana. Cremos não existir certeza mais profunda do que aquela de sermos chamados pelo próprio Deus, para uma ação decisiva entre os homens. Se nos convencermos realmente que, que entre todas as criaturas da Terra o pai misericordioso lançou sobre nós o olhar, nos amou de forma tos original e nos convida a participar de Sua ação, seremos capazes de superar a nós próprios, abrindo sempre novos horizontes para nossa existência, e arrastando conosco pessoas, grupos e comunidades inteiras”.

Paulo Evaristo, CARDEAL ARNS

Os fenômenos religiosos pertencem ao longo prazo. São estruturas mentais de longa duração. As transformações ou modificações no sistema religioso ocorrem lentamente no que se refere as visões de mundo, aos hábitos adquiridos, modelando profundamente as categorias mentais, influenciando as atitudes comportamentais ( individual ou coletivamente) redefinindo a maneira das pessoas se relacionarem consigo mesmo e com os outros. O elemento religioso é parte construtiva da alteridade, a medida em que tais elementos redimensionaram não somente o universo religioso como também modela a maneira das pessoas se relacionarem e se diferenciarem do mundo.[1]  A experiência religiosa atua lentamente, conferindo sentido as interpretações que as pessoas fazem de si, justificando em parte os sofrimentos de suas  vidas frente aos mais diversos acontecimentos.

Este texto  procura assimilar as contribuições da antropologia religiosa em relação ao sagrado para interpretarmos a vida e a experiência religiosa de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face no final do século XIX. Tal enfoque fornece os instrumentais adequados de conhecimento do homem frente as mais diversas expressões comportamentais no âmbito dos fenômenos religiosos, suas motivações e espiritualidade.[2]

 A antropologia religiosa permite  a apreensão e compreensão  dos postulados ocultos das elaborações doutrinárias e espirituais[3] Ser simples não quer dizer superficial exigindo a participação do leitor. O referencial  antropológico  permite captar o  extraordinário no cotidiano. Os modelos de escrita presente nos livros religiosos modelam a alma e as paixões deixando traços ativos da experiência religiosa, modelando as atitudes mentais.

Os breviários e a reflexões escatológicas expressam os sentimentos religiosos em seu mais profundo sentido. Tais confissões íntimas revelam em parte os desejos e as emoções vividas no mais profundo âmago da existência humana. Tais escritos enquanto confissões íntimas permite fazermos uma leitura  e penetramos no coração das sensibilidades cotidianamente vivida,  assim como fornece uma explicação do itinerário religioso-ético-moral, constitutiva de uma ascese espiritual. Tal ascese espiritual, além de esboçar as visões do mundo, são também códigos e estilos de comportamentos.

A literatura mística contida nos breviários revela a estrutura mental os gestos, as emoções, incertezas e angustias diante da vida e da morte. Sistematicamente além de revelar um estilo de escrita pessoal até certo ponto poético, tais escritos só podem ser interpretados levando-se em consideração as modificações do sagrado ( o campo religioso) onde foi produzido tais escritos, assim como os elementos sagrados construtivos da estrutura da crença. Os textos religiosos não podem ser interpretados mecanicamente como se fossem  justificativas ideológicas de luta e de poder.[4] Embora tais textos foram produzidos em meio a uma relação até certo ponto antagônicas de poder eles não podem somente ser entendidos como simples reflexos de tais modificações. Nem mesmo uma analise semântica é adequada, uma vez que reduz o campo da crença a meras articulações mecânicas da linguagem. Também tais textos não podem ser explicados somente a partir de uma estrutura interna e fechada.

O manuscrito autobiográficos reproduzem com exacção as consciências e as reflexões íntimas e sagradas (imaginário religioso) da Santa ao longo de três anos em mas diferentes fases da vida. Os textos aqui tratados reproduzem friamente escrita pessoal e íntima, concedida pela Madre Inês em 1898. Trabalhar com uma documentação desta natureza requer procedimentos metodológicos e teóricos específicos, no que se refere ao tratamento com as fontes. A forma escrita é muito importante e deve-se levar em consideração o estilo e composição das frase do texto. As letras minúsculas, sublinhações, grifos, negritos, ênfases, assim como a distribuição dos parágrafos no corpo do texto refletem não só a maneira como foram escritos, mas também os sentimentos e os significados emotivos referenciados por uma maneira religiosa especifico. Tal linguagem rica nos permite adentrar ao mundo das paixões intimas, dos sentidos e sentimentos referentes às sensibilidades religiosas. As sensibilidades religiosas enquanto resultado de experiências e vivências coletivas redimensionada ao longo dos tempos são modelos de espiritualidade constitutiva da experiência humana do divino.[5] Embora as abordagens místicas das carmelitas são incisivas em reafirmar a grande tradição escolástica de que a historia da humanidade é articulada em torno do nascimento e ressurreição de Cristo e seu desígnios escatológicos, ela nos permite entender a visão interna da instituição, onde os debates internos revelam transformações profundas e duradouras. Tais debates internos são indicadores das transformações profundas e duradouras interrelacionadas à longa duração das estruturas mentais ou pelo rearanjo interno que separa a massa dos leigos e as elite eclesiástica.[6]

Os manuscritos pessoais-íntimos permite conhecermos as confissões intimas e confidenciais, temperamentos inquietantes e melancólicos, as incertezas, os dramas, os encontros, desencontros do cotidiano em resposta as mais diversas situações. Embora exista uma certa tematização subjetiva contida nos diários, elas não expressam por si a vivência cotidiana da pessoa. [7] Qualquer tentativa semântico-literária, histórico-subjetivista dos acontecimentos individuais e os coletivos relacionados ao sagrado constitui-se uma releitura subjetiva e superficial. Somente o autor sabe o teor de suas palavras grifadas, seus sentimentos e emoções em torno de quais temas o autor desenvolvia as idéias sobre o sagrado. A escolha de temáticas ao abordar os relatos biográficos, os diários e confissões intimas, relacionados à vida privada implicam uma certa arbitrariedade no trato com as fontes  A interpretação dos textos em seu contexto religioso é subjetiva sendo uma leitura relaborada do real. Para Anne-Vincent deixar o mundo das teorias e penetrar no universo da literatura confessionária é fazer uma reconversão da compreensão das sensibilidades entrar em ruas desconhecidas e sinuosas conversar com as paixões dos personagens, dialogar com os medos e sentimentos de escritores que escreveram isoladamente.

Tal literatura é um gênero sui-generis revelando  não somente uma simples história das subjetividades, dos sentimentos psíquicos, elas nos colocam no âmago da existência, das subjetividades das visões religiosas de mundo dos encontros/desencontros, dos sonhos e da imaginação simbólica, nos faz mergulhar nas tradições religiosas de longa duração vivenciadas em silêncios nas celas  e nos corredores escuros e frios dos conventos, nos revela o mundo dos encantos das paixões, emoções, religiosas, revelando as relações que tais religiosas tiveram consigo mesma e com o mundo, com o sagrado e com o sobrenatural. A sensibilidade é a faculdade do homem sentir e se relacionar, recebendo e externando emoções profundas recebidas durante uma existência, ao mesmo tempo em que fornece esquemas montais de apreciação e codificação do outro de si, do universo, modelando as atitudes mentais. O pensamento revela os sentimentos e podemos entender como tais pessoas sentiam e viviam ( embora parcialmente) seus dramas existenciais.[8]

Tais obras de vida dos Santos são itinerários de espiritualidade, são modelos religiosos a serem seguidos, e como tal são lidos no sentido de edificarem a espiritualidade. A linguagem alegórica revela não somente o universo da crença mas um estado de espírito, associado aos desejos e as emoções.

Não é somente no tema que a personagem aborda de si mesma que a interpretação deve compreender os gestos e as práticas e os significados que ela elaborou para si, mediante ao social em que certa inserida a atuando.[9]

Os comportamentos religiosos não podem ser reduzidos a uma interpretação psicanalítica das emoções. O modelo de interpretação de psicanalítico, além de ser auto centrado em torno de certos eixos temáticos como a teoria dos complexos ou dos sentimentos ( de perda, impotência e de violência com o real) este modelo exprime em uma relação de poder e de deformação em sem  internas do discurso, num contexto cultural de elaboração, mas também os momentos íntimos de elaboração de tais ato de interpretar. O quadro de interpretação não deve contemplar as dobras do discurso, num contexto cultural de elaboração, mas também os momentos íntimos de elaboração de tais sensibilidades. No espaço íntimo de uma privacidade os gestos são desprovidos de repressão em parte ( mesmo no espaço íntimo há uma certa repressão).

Isto não quer dizer que existe uma relação mecanicamente que argumenta que os comportamento                e exterior  seja fruto ou simples relação de experiências relacionadas na infância. Existe um condicionamento reflexo entre o passado e o presente. Ao colocar  uma     da história da vida como determinante da história da vida das atitudes comportamentais, gritos, escolher sexuais, que fluência artísticas, gastos, hábitos entre modelo não terá em consideração as diversas temporalidades em que as pessoas estão vivendo.

As confissões intimas não podem ser interpretadas a  partir da teoria psicanalítica  como se os escritos fossem significados das emoções revelando distúrbios da personalidades: delírios e frustrações sexuais ou o simples resultado de relacionamentos frustrantes ou angustiantes de vivências anteriores, sem mesmo num simples agrupamento produzido em um campo destinado a combater ou a disseminar idéias, eles revelam o mundo íntimo das sensibilidades religiosas e como tal sua análise não deve também ser concebida como um estilo literário, que somente tropos e retornos estratégicos discursivas correlacionadas ao estilo  internacional (proveniente do modelo sistêmico e superficial da lingüistica). Eles são expressões sentimentais situadas em um ambiência e tradição religiosa,  a partir do contexto onde foram elaborados. Somente tais encantos (seus atores podem expressar realmente seus sentimentos) e toda teorização é uma tradução um tanto ou quanto deturpada das mas vidas.[10]

O tempo de vivência de cada um é sui-generis e mesmo qualquer tentativa de explicação já é uma recriação do  real. O itinerário antropológico é suficientemente amplo para se interpretar as relações entre o sagrado e vida cotidiana. Sua interpretação não reduz a ordem, representado, como o único elemento lógico de explicação do cotidiano..

Embora seus escritos sejam um  composição poética e melódica de sua vida mas não refletem  ou significaram a realidade vinda. A realidade em certa medida é uma construção da realidade. Tanto a poesia como a música não seguem uma escala funcional ou evolucionista, elas operam em temporalidades específicas. Desse modo cada cultura é específica em seu todo, cada ato, cada gesto tem um significado único para ela.

O texto nos permite entender em parte o significado da escrita para  estas pessoas enclausuradas e ascéticas em conventos religiosos, as regras e normas de vida. O que visto realmente significam é em parte possível de se resgatar pela documentação. Embora fontes sejam uma recriação real, submetidas as mediações entre a alteridade. Elas também pertencem uma certa interpretação fragmentária e significativa da cultura.

A mediação entre morte e renascimento significa a própria dinâmica da existência, não significa uma relação de causa e efeito e sim uma  purificação ritual, relacionadas a um conjunto explicativo de idéias relacionados ao sagrado.

Os diários íntimos não podem ser tomados como expressão fiel das emoções e sensibilidades. Os termos abordados nos diários, não devem ser compreendidos como expressões reais dos acontecimentos cotidianos e privados  nem mesmo o resultado ou relações de desejos inconscientes.

A relação de projeção entre desejos realizados ou não diante do ponto de vista psicanalítico não expressam uma cultura. Literalmente o modelo da psicanálise ou mesmo da literatura não se adequam a interpretações dos textos sagrados, O dinamismo e a cultura só podem ser decifrados à partir dos próprias significados que a cultura indígena elaboram para si mesmo, de acordo com seus valores etnocêntricos seus valores e sua religião só podem ser interpretados a partir de seus próprios elementos. Os diários íntimos estão imensos no campo do sagrado e uma interpretação desse remeter ao sistemas de crença de uma elaboração.

 A escrita poética de seu textos não simbolizam totalmente a sua vida. Mas atitudes cotidianas não são resultado copiado das atitudes de poder  e de controle sobre os corpos sejam de certa forma disciplinados pelo espaço seus comportamentos não são mecânicos.

Faz parte do hábito religioso da ordem de escrever poemas e orações de adoração aos santos e os deuses. Esta comparação poética, que compara elementos e diversos textos bíblicos e da caridade em que estão, não deve ser entendido somente como um conjunto de resposta de finalidades e problemas). Da vida cotidiana. Os diários e escrito expressam o cotidiano em nas particularidades.  Os aspectos fragmentários e mínimos do cotidiano são expressos nos diários. Embora eles se referem o cotidiano, os honorários da manhã, tarde e noite afazeres cotidianos, eles não expressam o cotidiano como realmente acontecem.

Não devemos reduzir o ato de escrever a uma sensibilidade que reduz a escrita a uma única forma de se expressar com o mundo, ou ainda de ver o resultado de não poder se comunicar de outra maneira com o mundo. A mesma religiosa opera em uma temporalidade especifica sem calendários – os mesmos cronológicos opera e não compostos dentro de uma regência especifica. Os recortes entre datas e eventos não são simples demarcações, tais cronologias e acontecimentos são concebidos como sagrados. Reatualizar o passado é uma forma de entrar em contato com o sagrado[11].

2- Da vida familiar ao calvário.

Jesus, sou pequenina demais para fazer grandes cousas...E loucura muito minha é esperar que Teu Amor me aceite como vítima

( Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face)

Madre Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face nasceu à 02 de 01 de 1873 em Lisieux - França - Carmelita desde 9- 4 - 1888, faleceu a 30-09-08 - 1897.[12] Madre Teresa desde criança sempre teve uma intuição marcante a respeito do sagrado. Sua vida fora constantemente marcada por visões e sonhos proféticos. Os rituais religiosos e contemplativos, os êxtases,  além de simbolicamente transformar o espírito por meio da experiência do sagrado conecta-se ao campo das sensibilidades e não podem ser reduzidos a análises psicologizantes. [13] A vida desta Carmelita sempre fora marcada por experiências extáticas. A psicanalista Sonja Marjasch sugere em seu texto que “Até agora o conteúdo de sonhos tem sido vinculado por associações à biografia da pessoa que sonha ora a seu mundo exterior, ou interpretado como tendências em ação na sua própria psique. Já os grandes sonhos curativos, operam fatores que não podem ser integrados à própria psique do sonhador sem ima perigosa inflação”.[14] A autora discute o sonho de Teresa e sugere que sua abordagem só pode ser realizada levando-se em consideração a experiência de vida provocada pela dúvida e tensão da conversão de Teresa.

Nosso propósito é discutir sucintamente algumas particularidades da experiência humana do divino ( a experiência onírica ) de Teresa de Lisieux, tal com a descreveu em sua autobiografia, publicada como História de uma alma à sua irmã Maria do Sagrado Coração ( Carmelita). Descreveremos as visões de Teresa:

Para Teresa “Nosso Senhor se revela tão bem na mais simples das almas que em nada resiste à sua graça, como na mais sublime das almas. Não é, pois minha vida propriamente dita que vou escrever, são meus pensamentos acerca das graças que o Bom Deus se dignou conceder-me (...) Na história de minha alma até minha entrada no Carmelo distingo três períodos  bem distintos”. [15]

A primeira visão de Teresa ainda em sua casa antes de entrar ao Convento: “Um dia porém o Bom Deus mostrou-me , em visão realmente extraordinária, uma imagem viva da provação, para a qual teve a bondade de preparar-me antecipadamente. Estava papai de viagem desde alguns dias, e demoraria ainda outros dois antes de voltar. Seriam duas ou três horas da tarde. O sol brilhava com viva luminosidade, e toda natureza parecia estar em festa. Estava sozinha, à janela de uma mansarda que dava para o jardim grande. Olhava para a frente, com ânimo entredido em idéias risonhas senão quando, enxergo diante da lavanderia, que ficava bem defronte um senhor em traje absolutamente igual a de Papai, com o mesmo porte e o mesmo modo de andar, só que era muito mais curvado... Encobria-lhe a cabeça uma espécie de avental de cor indecisa, de sorte que não podia divisar-lhe o rosto. Trazia um chapéu semelhante ao de papai. Eu o vi caminhar com um passo regular enquanto ladeava meu jardinzinho.... No mesmo instante, apoderou-se de minha alma um temor sobrenatural, mas num átimo ponderei que, indubitavelmente, Papai estava de volta e se escondia para me causar surpresa. Então chamei bem alto com voz trêmula, Papai, Papai!...Sem embargo, o misterioso personagem parecia não ouvir-me . Continuava seu passo regular, sem virar sequer para trás. Seguindo-o com os olhos, avistei-o quando se dirigia para o arvoredo que cortava em dois o grande caminho do jardim. Contava vê-lo reaparecer no outro lado das grandes árvores, mas a visão profética tinha se desvanecido!...Tudo foi obra de um instante apenas, mas gravou-se-me tão viva no meu coração que no dia de hoje quinze anos após... a lembrança me está presente, como se a visão continuasse diante de meus olhos....[16]

A segunda visão de Teresa é mais extática. Estando acamada e orando “ De repente a Santíssima Virgem me parece bela, tão bela, como nada tinha visto nada tão formoso. O rosto irradiava inefável ternura , mas o que me calou fundo na alma foi o “empolgante sorriso da Santíssima Virgem”. Nesta altura desvaneceram todos os meus sofrimentos. Das pálpebras me saltaram duas grossas lágrimas e deslizaram silenciosas sobre as faces. Eram lágrimas de uma alegria sem inquietação.... Oh pensei comigo a Santíssima Virgem sorriu para mim, como sou feliz .... Mas nunca jamais contarei a ninguém, por que então desapareceria minha felicidade.”[17]

A vida religiosa da freira se liga ao sobrenatural, ao “além”, como mediação da existência humana, coligando elementos sagrados e representações acerca do mundo divino e sua inter-conexão em relação às atitudes diante da vida, da morte e pós-morte. A religião estabelece um equilíbrio entre o radical e o sobrenatural, manifestada como fenômeno religioso.  Para Alphonse Dupront:“O fenômeno religioso pertence ao ponto de vista temporal, ao longo prazo. Mais ainda: as suas transformações, mesmo a sua evolução são muito lentas no que se refere aos hábitus adquiridos e à visão de mundo”. [18]O fenômeno religioso possui um ritmo lento e profundo; a alma coletiva absorve estes elementos e os transfigura em uma linguagem escatológica própria. Com relação à experiência religiosa Dupront aponta que: “Através da experiência religiosa, o homem vive um ritmo lento, a qual oferece quando apreendido em seu próprio movimento uma extraordinária e talvez única possibilidade de decifrar confissões e testemunhos e o duplo sentido do combate de existir e da interpretação que o homem dá a si mesmo de tal combate[19].

A história religiosa (de Madre Teresa ) é um processo lento, desenvolve-se na longa duração, no tempo, com uma pesada gravidade reverente. As freiras são portadoras de uma economia religiosa (mental e verbal do cerimonial litúrgico) referente à  constituição de modelo exemplares sob a forma de Santos e Mártires. A retórica dos sermões, ou a lógica das orações, tudo isso consiste em um meio de exteriorizar a espiritualidade. As soteriologias ensinam às sociedades com quem eles se relacionam a maneira de vencer a morte ou de ressuscitar. Os breviários e os livros de literatura mística (fazem parte da espiritualidade da ordem Carmelita) modelam o imaginário religioso, ao mesmo tempo em que a reflete sendo expressão deste universo profundo, entre o real e o imaginário.

Dentro desta liturgia se encontra expressa uma história dos comportamentos coletivos, os modelos de escrita, que se encontram nos versos dos livros o campo simbólico das representações religiosas e deixam traços poéticos na alma coletiva da Ordem Carmelita. As Irmãs Carmelitas são portadoras de um capital lingüístico religioso específico que simbolicamente remete a uma ligação mística do homem com o sagrado. O historiador Dominique Júlia enfatiza sobre este aspecto os seguintes pontos:“ Com o mistério (redenção) portanto estamos em presença de um drama de relações entre o tempo e a eternidade: o que parece, depois de tudo, a graça única de todo acontecimento singular, sobretudo na medida em que se torna sagrado”. [20] Não podemos ignorar a literatura mística, pois enquanto uma língua litúrgica remete ao campo simbólico das sensibilidades, comportando uma concepção de tempo. (tempo escatológico).

O tempo profundo da escatologia cristã reflete na conduta religiosa das carmelitas determinadas atitudes. Para Dominique Júlia: “Depois de toda a criação mística de toda potência coletiva, de suas pompas e de duas obras, a vida do tempo; de vários tempos e não de um só. Entrelaça-se os tempos que só pode dizer linear das continuidades históricas, tempo do emotivo sacro a esperar, seja da profecia, ou mais solenemente da escaté. Nesse tempo escatológico não há mais homogeneidade aparente, mas há ritmos, periodicidade. Isso se registra no saber de cada século novo, por exemplo ou na aproximação de milênios”.[21]

A forma eremítica de vida com sua imagens de deserto (isolamento); é um poderoso elemento na constituição da espiritualidade medieval (e as carmelitas também a praticavam) acrescentando elementos ao imaginário. O deserto imaginário dos conventos são lugares de provas, solidão, reflexão acerca da existência da alma humana e da obra de Deus, e o local onde a espiritualidade atinge o ponto máximo. Para Jacques Le Goff “Ele é o teatro das sombras das tentações e combate espiritual contra a legião de demônios”.[22]

 No novo testamento ele aparece como o lugar de tentações, provas morada e purificação, sendo o apóstolo Paulo o primeiro eremita Cristão. O deserto monástico é o local dos carismas e de todas teofônias e aparições e o ingresso no deserto segundo São Jerônimo é encarado como um segundo batismo .[23] Era necessário vencer todas as angústias e tentações do coração humano, vencer as legiões de demônios - os desejos . Ainda para Jacques Le Goff:  As carmelitas  ao retomarem o ideal de penitência- clausura, retomam também esta prática.

O deserto é um local geográfico (montes, casas de retiro) e ao mesmo tempo simbólico. É o lugar da penitência e das provocações. É o local de produção do imaginário como atesta a literatura mística- carmelita. O deserto (eremitismo) era associado ao local de solidão, resignação, refúgio, asilo, lugar de batalhas contra as tentações do demônio, assim como de vitória de entrega total as forças do sagrado.[24]

Os livros de literatura mística acerca da vida dos Santos, dos mártires da Igreja, congregam imagens que irrigam a espiritualidade motivando atitudes em relação ao mundo social[25].

A espiritualidade (conjunto de regras, práticas e normas de conduta relativas ao catolicismo) fazia parte de uma grande parcela da população européia, dando sentido aos atos e ações da mesma. A sensibilidade religiosa era relaborada pelos agentes sociais dependendo de suas necessidades afetivas e sobrenaturais.

O martírio segundo as fontes carmelitas  refere-se a imolação e sacrifício - no sentido etimológico tem sua origem do grego - martus - testemunha - martiryum ( Ga. 2,20 ). No início do cristianismo o termo martírio era utilizado pelos cristãos através da morte. ( Cf: At. 7,55-60; 22-20- Ap. 2,13; 6,9; 17,6). Tratava-se da expressão clássica e acabada do testemunho cristão. O emprego era ao mesmo tempo utilizado para designar o testemunho selado com a morte ( martírio perfeito ou consumado , largamente discutido por Clemente de Alexandria. O martírio da morte era a perfeição. Também era um testemunho dado aos tribunais ou ainda sofrendo maus tratos e prisões por causa da fé designado incoativo. Também era vivenciado pelo testemunho pela palavra ( homologetés).

Num terceiro sentido  martírio era atribuído a própria vida cristã calcada na fidelidade e constância da observância da crença ( martírio branco) aplicado de modo especial a virgens e frades. Em todos os sentidos martírio está relacionado à imitação de Cristo, podendo ir do martírio branco( martírio espiritual) ao martírio de sangue com o testemunho do calvário. As carmelitas primam pelo desejo do martírio, podendo chegar a perda da vida ( martírio cruento ), ou adquirido pela vivência espiritual ( martírio incruento), ou pode advir de uma só vez na morte simbólica pelo batismo ( martírio espiritual-místico) Em todas as dimensões do martírio aparece o aspecto cristocêntrico.[26]

O isolamento nos ermitórios associado à contemplação do divino  desencadeava atitudes diante da vida e da morte, refletindo determinados comportamentos acerca do sagrado e do profano. A solidão penetrava no fundo das almas atingindo o coração. Esta prática modelava a espiritualidade, dando sentido e referenciais aos pensamentos e às condutas religiosas. Tomando como modelo a vida de Cristo e sua meditação no deserto (eremitismo), os freiras carmelitas incorporam esta prática religiosa a sua vivência cotidiana. O isolamento no ermitório além de restabelecer a contemplação da obra de Deus purificava a alma. [27] Através do combate espiritual às forças do mal elas se tornavam aptas e fortalecidos espiritualmente para anunciar e pregar a palavra de Deus. Para as pessoas cristãs a vida eremítica era sinônimo de santidade. A penitência que se vive é, em ultima análise, a santificação no sentido apocalíptico (revelador) do simbolismo cristão do deserto. [28]

Ao retomarem este ideal, eles (os carmelitas) tomavam como modelo de vida a conduta e a espiritualidade de Cristo e seus apóstolos (estes últimos eram simbolicamente representados como verdadeiros mensageiros de Deus), que deveriam ser imitados. Daí que cada freira elege um santo, santa, Maria ou um apóstolo como seu protetor e intercessor individual, além dos santos tradicionais da Ordem. Ser freira (religiosa) é ser filha e esposa de Deus (anunciador da palavra e da fraternidade universal Cristã).  Sua conduta e suas ações não podem ser afetadas pelas coisas seculares (do mundo). A irmã (freira), sendo uma esposa de Cristo, sofre ainda mais as provações e tentações do diabo. Este tenta a todo o momento destruir a obra de Deus e de seu rebanho.[29]  

  A espiritualidade carmelita  é centrada no modelo de vida evangélica de Maria e no martírio de Cristo crucificado. Como enfatizado, esta particularidade conduzia um estilo de vida ascético e místico. Tais disposições comportamentais atuam na formulação de um hábitus religioso específico, (sistema de disposições adquiridas que modelam a visão-de-mundo, as representações simbólicas deste,  retrabalhando as atitudes religiosas das freiras - ao mesmo tempo em que reproduz o funcionamento e a própria estrutura organizacional da Igreja e da Ordem). As atitudes religiosas interiorizadas comandam as percepções e a apreciações do sagrado, e do profano. A ligação mística com o martírio de Cristo remete ao ascetismo severo da negação da vida secular. Simbolicamente, somente o místico (aquele puro de alma e de coração) possui capacidade de visões, revelações, e profecias[30] - sendo legitimado escatologicamente para orientar a vida das pessoas, tirar dúvidas de consciências e exteriorizar o amor de Cristo.

Através do desprezo da luxúria mantendo uma vida constante de oração e de meditação todos os dias acerca dos evangelhos e das vidas dos santos. Seu hábitus religioso é voltado a contemplação e à devoção da dor de Cristo crucificado. Sua vida é de martírio e penitência compenetrada na exaltação do sobrenatural repudiando o mundo profano, representado como pecaminoso.  As freiras evitam os prazeres seculares da carne, para não cair no pecado. Repudiam o desejo da mente e do coração. Mantêm a castidade como condição da purificação do corpo e da dignidade de ter Cristo na alma e no espírito, ou seja,  esperavam ter uma experiência religiosa com Deus, semelhante a Cristo e aos primeiros cristãos, quando estes receberam as revelações diretamente do altíssimo.

Naturalmente, suas práticas e experiências religiosas eram inspiradas pela mística cristã da ascensão de Cristo aos céus que se tornará o modelo da própria santificação simbólica e transcendente (sobrenatural) de Cristo. Também  desenvolviam  técnicas disciplinares (jejum e oração) que ajudaram a atingirem a espiritualidade. O jejum, vigílias noturnas, entonações de cantos sacros (parte do referencial litúrgico e sacramental) a contemplação das belezas de Deus, eram parte integrante destas práticas.

A experiência mística conduz a um estágio normativo de vida, modelando comportamentos, ações, atitudes, reelaborando a visão de mundo. Os efeitos destas práticas religiosas que resultavam em determinados comportamentos (estilo de vida ascético), refletia o carisma da ordem. O  desprezo pelo mundo e a luta contra a carne (dos desejos), o diabo (tentações) e o mundo (fascínio) e suas ilusões, compunha, como vimos, parte do ideário religioso destas religiosas. A própria noção de freira (irmãs-esposas em Cristo) é uma das características centrais da Ordem, implicando em uma forma de vida cotidiana (viver em comunidade fraterna) voltada ao projeto da caridade cristã e universal.

A freira vivência um estilo de vida voltado à espiritualidade (enquanto um conjunto de práticas e experiências religiosas que atribuem sentido a sua vida cotidiana) retrabalhando sua visão de mundo, e seu hábitus religioso dentro da ambiência religiosa da ordem (o estilo de vida evangélico, gostos, preferências e disposições estéticas e sagradas modelam um hábitus religioso específico). O ethos, enquanto estilo apostólico e monástico de vida, propunha uma espiritualidade centrada em valores cristãos. Dessa forma, as carmelitas distinguem-se radicalmente  de  outras ordens cristãs  pela própria formulação de um hábitus religioso distinto.

As carmelitas entendiam, concebiam (autocompreendiam) que suas práticas religiosas eram umas das únicas que congregavam a verdadeira fé permanecendo fiéis às suas tradições religiosas. Cristo representava para estas freiras o profeta da vida interior, e portanto viver em Cristo, supunha o abandono total das coisas terrenas, objetivando-se elevar a espiritualidade à potência máxima. Cotidianamente exercitavam forte inspiração nas leituras místicas em relação à vida dos santos e dos mártires da Igreja (martírios e sofrimentos). Estas leituras serviam de modelos e ideal de vida a ser seguido na vida religiosa.[31]A humildade e penitência-sofrimento são levadas as últimas conseqüências objetivando alcançar a santidade. A humildade torna-se um pré-requisito para se atingir a perfeição espiritual, e a Glória de Deus no paraíso, através da imitação da vida da Sagrada Virgem,  que é o  símbolo - mártir  da Ordem  concebida  pelas Carmelitas como símbolo ideal - tipo de vida cristã em comunhão (ligação) com Cristo.

Modelando-se no sofrimento (martírio) de Cristo esperaram adquirir a receptividade interior a Deus. Vivendo como irmãs em Deus (como fazia Jesus e seus apóstolos sendo recíprocas com os animais, pobres, órfãos, desamparados, leprosos) seriam lembrados por Deus (lembrando simbolicamente a salvação da alma). Acreditava-se que a Virgem Santíssima  teria recebido sua missão diretamente de Deus. As carmelitas  (no calvário) eram obrigadas a estudar a vida dos Santos e da Virgem, aprendendo suas normas e ética de vida (aprendendo sua presença divina) observando os mandamentos de Cristo, introjetando-os como exemplos a serem seguidos e exteriorizando-os em atos e comportamentos de religiosidade, constituindo um hábitus religioso específico, ou seja o espelho da perfeição.

Para as carmelitas a caridade deve ser praticada não só entre os irmãs da ordem, como também entre as pessoas necessitadas tais como leprosos, doentes, idosos, angustiados, desesperados. Mantinham uma vida fraterna, entre a comunidade de irmãos nos conventos, no santuário e ermitérios. O simbolismo da cruz suscita no hábitus carmelita um profundo sentimento de resignação da vida e do martírio de Cristo, traduzindo-se em atitudes diante da vida e da morte, do natural e do sobrenatural[32]. Como vimos a compenetração espiritual do isolamento nos ermitórios conduzia a viagens imaginárias  e místicas( visões experiências em relação a anjos e santos)

Para as irmãs o modelo de vida, a conduta e a espiritualidade de Cristo e seus apóstolos (estes últimos eram simbolicamente representados como verdadeiros mensageiros de Deus), deveriam ser imitada. Daí que cada religiosa elege um santo santa ou um apóstolo como seu protetor e intercessor individual, além dos santos tradicionais da Ordem. Ser religiosa é ser esposa e irmã de Deus (anunciador da palavra e da fraternidade universal Cristã). Sua conduta e suas ações não podem ser afetadas pelas coisas seculares (do mundo).A freira sendo esposa de Cristo, sofre ainda mais as provações e tentações do diabo. Este tenta a todo o momento destruir a obra de Deus e de seu rebanho. O tipo de conhecimento ( vivenciado por Madre Teresa ) elevado-místico só pode ser alcançado por pessoas como os profetas e os místicos, que receberam esse dom especial de Deus, através de qualidades intuitivas, repetitivas, exigida por uma disciplina como a meditação e contemplação dos mistérios acerca da criação.[33]

3- História de uma alma: Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face.

 Oh! Como descrever a angústia do meu coração....Compreendi num instante o que era a vida. Até ali não a tinha vista tão tristonha, mas então se me deparou com toda sua realidade. Vi que não era senão sofrimento e separação contínua. O Bom Deus inspirou-me os sentimentos que acabo de descrever. Fez-me outrossim, compreender que minha glória característica não aparecia aos olhos dos mortais mais consistia em tornar-me grande Santa!!! Poderia tal desejo parecer temeridade, tomando-se em consideração quanto era fraca e imperfeita, e quanto ainda o sou, depois de passar sete anos de religião. Muito embora sinto sempre a mesma audaciosa confiança de tornar-me grande Santa, mas não conto os meus méritos, por não ter nenhum, mas espero em Aquele que é a Virtude, a própria Santidade Só Ele é que, cingindo-se com seus méritos infinitos, fará de mim uma Santa.”

Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face

Os estudos de ordens religiosas foram sobretudo realizados em seu aspecto exterior, como adversários políticos ou como agentes evangelizadores. Tal enfoque prioriza as relações e mediações entre os religiosos e leigos. Os historiadores encontram dificuldades em interpretar a vida cotidiana e os sentimentos profundos que regulam a vida existencial-religiosa dos religiosos. Nesse sentido, os estudos religiosos deixaram a desejar quanto ao cotidiano e a vivência espiritual. Os estudos  do cotidiano contemplaram basicamente a estruturação das idéias teológicas do ponto de vista das mentalidade que regularam as atividades e os hábitos cotidiano. Jaques Le Goff mostrou a riqueza de se estudar a geografia espacial do pensamento na constituição do surgimento do purgatório. Jean Deluameau também inovou quanto auto aos estudos do imaginário religioso ocidental, sobretudo quanto ao nascimento do Paraíso e as relações e diferenças entre milenarismo e messianismo.

Pela analise dos livros íntimos de confissões, recuperaremos os elementos teológicos e exagéticos nos possibilitando compreender a vida religiosa íntima( as emoções e sensibilidades religiosas, a experiência humana do divino.[34] Embora tais escritos nos permite resgatar os fragmentos da vida cotidiana dos monastérios podemos também  apreciar as concepções e emoções profundas a teologia e a eclesiologia, os ritos pessoais e os cultos íntimos a tais santos, com significativos religiosos e a dimensão que tais relações com as imagens religiosas ocupavam na modelação de um  hábitus  religioso especifico.[35]



* Mestre em História Programa de Pós-Graduação em História-UNESP-Assis, Doutorando: Programa de Pós-Graduação em História-UNESP-Assis- 19800-000.

 

[1] DUPRONT, Alphonse. A religião Católica: possibilidades e perspectivas. Trad. Henrique C. de Lima Vaz, São Paulo, Loyola, 1995, 83. A espiritualidade enquanto um conjunto de práticas relacionadas  ao universo sagrado não pode ser entendida como um simples epifenômeno de uma doutrina. Ela é recriada a todo instante nos aspectos  mais fragmentários do cotidiano.

[2] A espiritualidade enquanto um conjunto de práticas relacionadas  ao universo sagrado não pode ser entendida como um simples epifenômeno de uma doutrina. Ela é recriada a todo instante nos aspectos  mais fragmentários do cotidiano. Sobre o assunto ver a vasta literatura antropológica.

[3] DUPRONT, Alphonse. Igreja católica.  op. cit. p.85

[4] As idéias acerca dos fenômenos religiosos são modificadas pelos fiéis diante da necessidade de explicarem suas perplexidade diante do mundo. As idéias de religião , assim como a arte não seguem uma escala evolucionista, elas são continuamente redefinidas de acordo com as necessidades existenciais, e espirituais. Sobre o assunto remeto o leitor ao livro de: ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. Trad. Marcos Santarrita, São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 23-35.

[5] DUPRONT, Alphonse. A Religião: Antropologia Religiosa. LE GOFF, Jacques, Novas Abordagens. trad. Henrique Mesquita, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988; DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. trad. Carlos Aboim de Brito. Ed. 70:Lisboa, 1993.; KEIL, Ivete Manetzeder. A dinâmica do imaginário na poética da escrita: Notas provisórias. Estudos Leopoldinenses, vol. 31, n.142. maio/junho 1995.

[6] GUITTON, Jean: Jesus. trad. Oscar Mendes, Belo Horizonte Ed. Atalaia, 1960; BERGER, P. La Religion dans la conscience Moderne. Trad. J. Feirthouse. Paris: Ed. du Centurion, Coll Relligion et Scienes de L’homme, 1971.

[7] VINCENT-BUFFAULT, Anne. Do pudor a Aridez.  trad. Luiz Marques e Martha Gambini. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.

[8]GUEDES, Maria Lúcia. Sagrado: Ilusão e imaginário( comentário). Interfaces do sagrado em vésperas do milênio. Olho D’agua , 1996.p. 51. O discurso religioso se encontra tanto num objeto real (experiência real) como numa construção simbólica arbitraria, responsável por sua eficácia. Eficácia em instruir os homens no que deve e no não deve ser feito para afastar a violência que ameaça a ordenação e portanto a sobrevivência das comunidades humanas. p.51

[9]Os breviários e livros místicos sinalizam modificações e confrontos de mudanças religiosas- dogmáticas de geração para geração. Ver:  AMARGIER, Paul.  Mentalités et Culture in: Annales, no. 02, maio - abril, 1972.

[10] Na visão religiosa todos os atos humanos são considerados como manifestações da vontade divina. O sistema religioso fornece referencias aos seres humanos em relação ao sagrado e ao profano. O mundo social é ordenado dentro de uma temporalidade sagrada e os atos humanos são considerados sagrados. A história da perfeição espiritual repousa em um vasto referencial documental elaborado pelos religiosos particularmente em seus breviários, diários e livros de oração. Para uma discussão sobre a temporalidade sagrada do cristianismo Ver: ROUSELLE, A. O cristianismo. In: BURGUIÈRE, André. (org.) Dicionário das ciências históricas. trad. Henrique de Araújo. Mesquita. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p.198-199.

[11] GUEDES, Maria Lúcia. Sagrado: Ilusão e imaginário( comentário).op. cit. Ver também GORGULHO, Gilberto da Silva. Sagrado: Ilusão e imaginário. Interfaces do Sagrado. op. cit.pp.47. As analises da religião devem ser provisórias e fragmentadas. 

[12] Para se ter uma panorama mais adequado da vida ( biografia ) de Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face)  remeto o leitor diretamente ao texto:  Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires Martins. São Paulo: Paulus, 1986.

[13] Sobre a experiência humana do divino e a importância deste aspecto em relação aos comportamentos religiosos é interessante consultar o livro de MESLIN, M. op. cit., especialmente as pp. 200-201. Meslin enfatiza que a experiência mística fundamenta-se não só na crença como também, na expectativa individual e coletiva do místico. Este através de exercícios espirituais e de um ascetismo rigoroso realiza viagens imaginárias ao além e entrando em contato com o sobrenatural. O livro do autor é extremamente rico e denso, apresentando um diálogo intenso com a historiografia acerca da história das religiões.

Apesar do autor se reportar a antigüidade tardia e analisar os cultos de mistérios ele interpreta também o cristianismo primitivo. Cf: BURKERT, Walter. Antigos cultos de mistérios. trad. Denise Bottmam. São Paulo: Edusp, 1991.

[14] MARJARSCH, Sonja. “Sobre a psicologia do Sonho de Cal Gustav Jung” in: CALLOIS , Roger e GRUNEBAUM, G. E.  O sonho e as sociedades humanas. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1978. p. 99.

[15]  A própria Teresa divide cronologicamente sua história de vida. Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires Martins. São Paulo: Paulus, 1986.

[16]  A visão - sobrevinha em pleno dia e não em sonhos - ocorreu no estio de 1878 ou 1880. Cf.  Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires Martins. São Paulo: Paulus, 1986.pp.23-24.

[17] Cf.  Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires Martins. São Paulo: Paulus, 1986.pp.63.

[18] Cf. DUPRONT, Alphonse,: A Religião: Antropologia Religiosa. in.: LE GOFF, Jacques,: Novas Abordagens, trad. Henrique Mesquita, Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1988, p. 83.

[19] Cf. DUPRONT, Alphonse. A Religião: Antropologia Religiosa. in.: LE GOFF, Jacques,: Novas Abordagens, trad. Henrique Mesquita, Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1988, p. 84.Para se ter um panorama sobre o confessionário ver DELUMEAU, Jean. A confissão e o perdão.  O autor analisa o cotidiano da prática do confessionário, correlacionando os sentimentos de atrição e de contrição dos cristão, sobretudo como era prescrito a penitência para se alcançar o perdão. Delumeau aponta ainda o papel significativo do confessionário na vida de milhares de pessoas. Os confessores eram médicos de almas e prescreviam a cura das mesmas aos supostos pecadores. A Contra-Reforma também se efetivou ao nível da arte, postulando uma nova estética. Ver:  BOGLONE, Jean-Pierre. História do pudor. op. cit. pp.54.

[20] JÚLIA, Dominique, A Religião: História Religiosa. LE GOFF, Novas Abordagens. Trad. Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 131.

[21] Idem, Ibidem,p. 98.

[22] LE GOFF. O Maravilhoso e Cotidiano no Ocidente Medieval, op. cit., p. 43.

[23] Idem, Ibidem, p.44.

[24] Os crucifixos utilizados pela irmãs carmelitas apresentam Cristo retorcido e agonizante em suas dores. A força simbólica da imagem está naquilo a que o símbolo se refere. Ver MESLIN, Michel. A experiência humana do Divino, op. cit., p. 100. Para se ter uma discussão mais aprofundada em relação ao poder simbólico das imagens é interessante consultar: REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS, no. 15, 5ª série, 1993. Ed. Guides, Lisboa, 1995. p. 30. Ver também DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. Carlos Aboim de Brito, Ed. 70.

[25] Ver sobre este aspecto: Cf.: MESLIN, Michel.: A experiência Humana do Divino, op. cit. Cf.: ARMSTRONG, Karen,: Uma história de Deus, op. cit., p. 96. A Igreja é referenciada como o corpo místico de Cristo, e enquanto tal está legitimada (escatologicamente) a exerceu seu poder de conduzir os homens à salvação.

[26] Dictionaire de Theologie Catholique, Paris: Librairie Latouzey, 1950, v. 9.

[27]  O tipo de conhecimento elevado só pode ser alcançado por pessoas como os profetas e os místicos, que receberam esse dom especial de Deus, através de qualidades intuitivas, repetitivas, exigida por uma disciplina como a meditação e contemplação dos mistérios acerca da criação. Esta tradição judaica é retomada em consonância  com os desígnios cotejando um espírito profético. Para Karen Armstrong: “Quando os profetas e santos alegam ter experimentado “Deus”, não o conhecem como ele é em si mesmo (Deus não pode ser conhecido) mas suas atividades divinas dentro deles, que são uma espécie de fulgor residual da realidade transcendente e inacessível”. Cf. ARMSTRONG, Karen: Uma História de Deus. op. cit., p. 198

[28] LE GOFF, Jacques. O  Maravilhoso e Cotidiano no Ocidente Medieval. op. cit., p. 54 O sentido de legitimidade comunitária ajustava aos padrões rituais (em sintonia com o contexto simbólico da espiritualidade da Ordem) conferindo a estes uma percepção do mundo social e um significado prático as ações cotidianos.

[29] Diabo: aquele que veio para dividir e causar confusão. Sobre o assunto consultar: Dicionário Franciscano: Tradução de Almir Ribeiro de Guimarães O.F.M. e Ediney da Rosa Cândido, Petrópolis: Vozes/CEFEPAL, 1993, 952 p.425; Dictionaire de Theologie Catholique, Paris: Librairie Latouzey, 1950, v. 9. Ver também: NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no Imaginário Cristão, op. cit., p. 37-38. Para Nogueira o mundo: “É um mundo de desequilíbrio no qual entre Deus e Satanás - nesse trágico dualismo que embora não admitido dogmaticamente, é vivenciado na prática - o homem deve combater a tentação da carne, cotidianamente presente”. p. 36. Sobre o diabo e o medo suscitado pela sua presença ver também DELUMEAU, Jean, História do medo no Ocidente, op. cit.

[30] Profetizar significava denunciar as  injustiças sociais, a ignorância religiosa, anunciar as boas novas - a palavra de Deus aos homens. Além disso, existe uma vasta literatura sobre a mística franciscana, merecendo um estudo em separado pela sua riqueza e particularidade.

[31] As leituras concernentes à vida dos Santos (literatura mística) suscitava nas carmelitas  uma introspecção em relação ao sofrimento de Jesus no calvário conferindo ênfase na ressurreição. Para uma análise mais acurada sobre às sensibilidades religiosas concernente a utilização dos recursos simbólicos do cristianismo ver: BOGLONE, Jean-Claude. História do pudor. op. cit. 333-341. Muitas imagens que anteriormente eram representadas nuas passaram a ser retratadas vestidas, implicando em uma nova forma de sensibilidade religiosa.

[32] PEDROSO, Frei José Corrêa. ( O. F. M. Cap. ). Olhos do Espírito: Itinerário na comtemplação na escola de Francisco e Clara de Assis. Seminário Seráfico São Fidélis: Piracicaba, 1991. pp. 109-121. Ver também: Dicionário Franciscano: Tradução de Almir Ribeiro de Guimarães O.F.M. e Ediney da Rosa Cândido, Petrópolis: Vozes/CEFEPAL, 1993. pp. 417-421.

[33] Esta tradição religiosa comporta um espírito profético. Para Karen Armstrong: “Quando os profetas e santos alegam ter experimentado “Deus”, não o conhecem como ele é em si mesmo (Deus não pode ser conhecido) mas suas atividades divinas dentro deles, que são uma espécie de fulgor residual da realidade transcendente e inacessível”. Cf. ARMSTRONG, Karen: Uma História de Deus. op. cit., p. 198

[34] DELUMEAU, Jean. Confissão e Perdão: as dificuldades da confissão nos séculos XIII a XVIII, trad. de Paulo Neves. São Paulo: Cia das Letras, 1991, pp. 58-63. O autor analisa o cotidiano da prática do confessionário, correlacionando os sentimentos de atrição e de contrição dos cristão, sobretudo como era prescrito a penitência para se alcançar o perdão. Delumeau aponta ainda o papel significativo do confessionário na vida de milhares de pessoas. Os confessores eram médicos de almas e prescreviam a cura das mesmas aos supostos pecadores. A Contra-Reforma também se efetivou ao nível da arte, postulando uma nova estética. p. 81. Principalmente os pecados ligados a sexualidade eram tidos como os mais perniciosos à alma. p.85. BONNE, Henry. Histoire des ordes religiex. Paris: Pres Université de France,1944.  GINIO, Alina Meyuas. Rêves de Croisade Contra les Sarracins dans la Castille de XV siècle (Alonso de Espina , Fortalitium Fidei ). op. cit.p. 145-147. São Boaventura. Obras escolhidas.(org.) Luis Alberto de Bonni e Frei Saturnino Schneider. Porto Alegre Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes: UCS,1983.

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