O Movimento
Espírita em Assis:
Entre prática e representações
Elizabeth Hernandes OLIVEIRA*
UNESP
O interesse pela pesquisa na
área de Religião surgiu da necessidade de encontrar respostas menos literárias
quanto ao papel que a crença religiosa desempenha na vida das pessoas, bem como
a compreensão da importância das práticas assistenciais e filantrópicas como
elementos de elevação moral e espiritual do homem.
Parte desse interesse
originou-se nos discursos presentes nas academias por meio de seus intelectuais
e demais pensadores quanto ao papel que a Religião ocupa como parte integrante
de um sistema social. A Religião, rotulada por alguns como instrumento de
alienação, força inibidora e repressora, obstáculo ao progresso, ou na mais
extrema definição de Marx enquanto
“Suspiro da criatura vencida pela desgraça... ópio do povo”[1],
também tem sido
caracterizada como
“... a corporificação das mais sublimes aspirações humanas ... uma
fonte de ordem pública e paz individual”[2].
E é nesse contexto que vale
ressaltar que nem sempre as sociedades recorreram, e ainda recorrem, a aspectos
puramente econômicos para explicar sua organização e finalidade.
Tendo por premissas essas
reflexões, surgiram a partir daí algumas indagações: os homens tornaram-se
ateus, descrentes da existência de um Deus que regeria o universo? As sociedades ocidentais, tidas como
modernas, dessacralizaram-se? Às vésperas do novo milênio, resta saber que
lugar a Religião ocupa na vida dos homens.
Para Mircea Eliade,
“o homem moderno, radicalmente secularizado, se crê ou se quer crer
ateu, a-religioso, ou pelo menos indiferente. Mas se equivoca. Não conseguiu
ainda abolir o homo religiosus que
está nele...”[3].
Dessa forma, entendendo que
sociedades a-religiosas nunca existiram, que os sentimentos religiosos sempre
compuseram seus quadros de valores e que a religião nunca saiu de moda é que
nos remetemos à observação e à análise do comportamento religioso de um grupo
de adeptos e simpatizantes da doutrina Espírita na cidade de Assis - SP.
Por quê o tema Espiritismo?
A escolha não ocorreu por acaso. O Brasil, desde o seu descobrimento, traz como
religião oficial o Catolicismo que, como instrumento de evangelização é
introduzido nas comunidades indígenas com a função de cristianizar o índio
pagão e infiel, levando-o a subserviência ao português colonizador.
Posteriormente, na busca de nova força de trabalho, o negro africano é inserido
como sustentáculo junto a empresa colonial voltada ao cultivo da cana e a
produção do açúcar e, novamente sob a bandeira de uma “religião de salvação”,
sinônimo de humanização, o catolicismo é imposto e sua hegemonia se faz
presente durante séculos como força mantenedora da ordem social vigente e da
garantia dos privilégios do europeu conquistador.
Foi portanto nos fins do
século XIX e meados do século XX que outras expressões religiosas vieram compor
o cenário brasileiro. As alterações sociais provocadas pelo processo
imigratório, pelo êxodo rural, pelo crescimento industrial e pelas
manifestações culturais; ocorridas no ano de 1922; que revolucionaram não só a
estética, mas também o repensar as “velhas” estruturas mentais, foram fatores
que também contribuíram para a transformação da estrutura familiar e dos
valores religiosos vigentes.
Nesse contexto, o Brasil
contemporâneo, figurando como um país moderno, faz nascer a imagem de um novo
cidadão e a praxis religiosa quase que adormece frente aos desafios lançados
pela tecnologia que se instala exigindo racionalidade, auto-suficiência e
resultados imediatos. Porém, ainda assim, a razão não vence completamente e uma
parcela da população, procurando ajustar-se ao novo estilo de vida, recorre à
esfera do sagrado. É portanto, no âmbito das manifestações de novas expressões
religiosas que o kardecismo, assim como as religiões
de posessão, como a Umbanda e o Candomblé, surgem como vertentes, canais de
apoio e sustentação àqueles que buscam ajustar-se e integrar-se a essa nova
realidade pela recuperação de sua identidade, por vezes mutilada. Para Pierucci
e Prandi, o processo de expansão do Kardecismo e Umbanda, por exemplo, é
“... a contraface do declínio e da erosão da religião dominante tradicional,
o Catolicismo, desgaste que entretanto não se reduz a dessacralização e
secularização”[4].
O Espiritismo surgiu na
França do século XIX, sendo que as influências do Movimento Iluminista, da
Teoria Evolucionista e os efeitos da Revolução Francesa proporcionaram a
disseminação de uma doutrina profundamente impregnada dos valores de liberdade,
de igualdade e de fraternidade. No Brasil, o Espiritismo aparece na segunda
metade do século XIX, sendo a Bahia seu primeiro polo de propagação, seguida
pelos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. De início, despertados pela
curiosidade das mesas girantes,
muitos habitantes do Império buscaram a compreensão do mundo sobrenatural
praticando-o. Mas logo suas práticas
caíram no esquecimento.
É, porém, junto à população
marginalizada, periférica do processo social, que o Espíritismo ganha espaço e
aos poucos consolida-se como religião.
Tendo se disseminado por
várias partes do país é por volta do ano de 1933 que surgiu na cidade de
Assis/SP o primeiro Centro Espírita, já mostrando em seu quadro de adeptos um
perfil bastante eclético dos que a ele recorriam, seja na busca de tratamento
espiritual como na busca de ajuda material. Como campo de pesquisa destacamos o
Centro “Cairbar Schutel”, fundado em
1959, que, desde então, exerce atividades doutrinárias e assistenciais, pautado
nos princípios herdados do codificador da doutrina, Allan Kardec.
A prática da caridade, da
solidariedade e da comiseração para com os necessitados transformou-se na
bandeira da doutrina uma vez que, pelo exercício de doação, os homens se
despojariam, gradativamente, de sua gama de imperfeições, como o orgulho, a
vaidade, o egoísmo, os vícios e a intolerância. Ao voltarem-se às necessidades
do próximo, estariam atendendo a máxima deixada por Jesus Cristo, tido como o
espírito mais elevado que esteve na terra, que é
“amai-vos uns aos outros como eu vos amei”,
além de atender ao slogan da doutrina:
“fora da caridade não há salvação”.
No quadro das atividades
doutrinárias e assistenciais desenvolvidas no Centro destacam-se:
-
trabalhos
de desobsessão;
-
tratamento
espiritual (passes);
-
cursos
de educação mediúnica;
-
grupo
de estudo das obras de Allan Kardec;
-
curso
de evangelização infantil;
-
visitação
a enfermos e asilos da cidade;
-
distribuição
de cestas básicas e outros auxílios;
Vale ressaltar que a renda gerada para a
manutenção do Centro é proveniente de promoções como Bazar da Pechincha e venda
de pizzas, além das contribuições voluntárias dos adeptos.
Assim, a pesquisa visa
compreender a ação dos sujeitos históricos e seus impactos sociais, a partir da análise de práticas e
representações de um grupo ligado a um Centro Espírita, considerando que
“..as religiões, ainda que sejam sistemas de práticas simbólicas e de
crenças relativas ao mundo invisível dos seres sobrenaturais, não se
.constituem senão como formas de expressão profundamente relacionadas à
experiência social dos grupos que as praticam”[5].
* Curso de
Especialização em História - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Jacarezinho - PR
[1] apud
KUJAWSKI, Gilberto de Mello. O sagrado
existe. Ática: São Paulo, 1994, p.
50.
[2] O’DEA, Thomas
F. Sociologia da Religião. Trad.
Dante Moreira Leite. Pioneira: São Paulo, 1969, p. 10.
[3]apud
KUJAWSKI, Gilberto de Mello. op.
cit. p. 25.
[4] PIERUCCI, Antonio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A Realidade Social das Religiões no Brasil. Hucitec: São
Paulo, 1996, p.10.
[5] SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da
devoção brasileira. Ática: São Paulo, 1994, p. 14 - 15.