As tradições do candomblé. Notas acerca da história do olhar intelectual sobre as religiões negras.
Carlos Henrique R. de Siqueira
Universidade de Brasília

A nossa pesquisa tem como proposta o estudo do culto aos orixás. Mais especificamente nos deteremos na análise da tradição Ketu - uma dentre as várias tradições que estabeleceram no Brasil uma formação religiosa conhecida genérica e imprecisamente pelo termo Candomblé.

O nosso objetivo é o de analisar a história dessa tradição do culto aos orixás, tentando perceber como ela se estabeleceu na Bahia - por volta das primeiras décadas do século XIX - e dialogou com a variedade de tradições desse mesmo culto e de outros que conviveram naquele momento da história do Brasil.

As pesquisas, atualmente, são consensuais em afirmar que essa tradição foi construída ao longo dos anos, e não tem suas raízes nessa África que os participantes do culto reivindicam. Não apenas isso, segundo essa percepção a tradição que deu origens as casas mais tradicionais de Salvador foi influenciada de maneira decisiva pela produção de um grupo de intelectuais que desde o início do século voltaram suas atenções para as populações negras procurando perceber nelas a presença de uma África em pleno Brasil. Intelectuais esses que sempre mantiveram relações de proximidades com as principais Casas de Culto de Salvador, muito deles chegando a desempenhar a função de Ogã nos terreiros.

Assim, há pelo menos dois problemas que necessitam de uma análise mais detida, cujos trabalhos de campo não puderam responder, talvez pela falta de uma reflexão histórica sobre tema. O primeiro problema diz respeito a uma morfologia religiosa. Ou seja, o que historicamente constitui a peculiaridade do culto da tradição Ketu frente as demais tradições? Em que ponto e qual o contexto das supostas mudanças ocorridas pela influência daqueles intelectuais referidos? Será possível fazer uma estratigrafia - para utilizar um termo arqueológico - dessas transformações no culto especificando as sucessivas camadas de construção dessa identidade?

O segundo problema é de ordem historiográfica, sendo necessário um trabalho voltado a história intelectual sobre o tema. A questão que colocamos é: com que olhos, e através de que arcabouço conceitual, esses intelectuais que desde a segunda metade do século XIX até o fim da década de 1930 tem a população negra como objeto de estudo, percebem e trabalham com o tema da religião?