Trevas da memória: Contribuição para um estudo interpretativo sobre a vida de Santos:: Santa Inês do Menino
Jesus e da Sagrada Face-séc XIX.
Rodolfo Frank
Gonçalves*
UNESP
Resumo: Este ensaio procura discutir as contribuições da antropologia
religiosa em relação ao sagrado para interpretarmos a vida e a experiência
religiosa de Santa Teresa do Menino Jesus
e da Sagrada Face no final do século XIX. Tal enfoque fornece os
instrumentais adequados de conhecimento do homem frente as mais diversas
expressões comportamentais no âmbito dos fenômenos religiosos, suas motivações
e espiritualidade. A antropologia religiosa permite a apreensão e compreensão dos postulados ocultos das elaborações
doutrinárias e espirituais. O referencial
antropológico permite captar
o extraordinário no cotidiano. Os
breviários e a reflexões escatológicas expressam os sentimentos religiosos em
seu mais profundo sentido. Tais confissões íntimas revelam em parte os desejos
e as emoções vividas no mais profundo âmago da existência humana. Tais escritos
enquanto confissões íntimas permite fazermos uma leitura e penetrarmos no
coração das sensibilidades cotidianamente vivida, assim como fornece uma
explicação do itinerário religioso-ético-moral, constitutiva de uma ascese
espiritual. Tal ascese espiritual, além de esboçar as visões do mundo, são
também códigos e estilos de comportamentos. A literatura mística contida nos
breviários revela a estrutura mental os gestos, as emoções, incertezas e
angustias diante da vida e da morte Os fenômenos religiosos pertencem ao longo
prazo.
Unitermos: Antropologia religiosa,
sonhos, Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face, sagrado, metodologia.
I - Introdução:
“O
religioso exprime o humano quase em sua mais alta e mais enérgica medida”.
“ O
Bom Deus, concedeu-me a graça de conhecer o mundo na medida suficiente exata
para o desprezar, e dele me conservar afastada” .
“As
grandes mensagens têm que nascer de fontes puras e corresponder aos ideais
profundos do homem. Não podem ser muitos gerais, nem puramente teóricas. Hão de
agir a curto e a longo prazo, influenciando ao mesmo tempo diversas áreas da
vivência humana. Cremos não existir certeza mais profunda do que aquela de
sermos chamados pelo próprio Deus, para uma ação decisiva entre os homens. Se
nos convencermos realmente que, que entre todas as criaturas da Terra o pai
misericordioso lançou sobre nós o olhar, nos amou de forma tos original e nos
convida a participar de Sua ação, seremos capazes de superar a nós próprios,
abrindo sempre novos horizontes para nossa existência, e arrastando conosco
pessoas, grupos e comunidades inteiras”.
Os fenômenos
religiosos pertencem ao longo prazo.
São estruturas mentais de longa duração. As transformações ou modificações no
sistema religioso ocorrem lentamente no que se refere as visões de mundo, aos
hábitos adquiridos, modelando profundamente as categorias mentais,
influenciando as atitudes comportamentais ( individual ou coletivamente)
redefinindo a maneira das pessoas se relacionarem consigo mesmo e com os
outros. O elemento religioso é parte construtiva da alteridade, a medida em que
tais elementos redimensionaram não somente o universo religioso como também
modela a maneira das pessoas se relacionarem e se diferenciarem do mundo.[1] A experiência religiosa atua lentamente,
conferindo sentido as interpretações que as pessoas fazem de si, justificando
em parte os sofrimentos de suas vidas
frente aos mais diversos acontecimentos.
Este texto
procura assimilar as contribuições da antropologia religiosa em relação
ao sagrado para interpretarmos a vida e a experiência religiosa de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada
Face no final do século XIX. Tal enfoque fornece os instrumentais adequados
de conhecimento do homem frente as mais diversas expressões comportamentais no âmbito
dos fenômenos religiosos, suas motivações e espiritualidade.[2]
A
antropologia religiosa permite a
apreensão e compreensão dos postulados
ocultos das elaborações doutrinárias e espirituais[3] Ser
simples não quer dizer superficial exigindo a participação do leitor. O
referencial antropológico permite captar o extraordinário no cotidiano. Os modelos de escrita presente nos
livros religiosos modelam a alma e as paixões deixando traços ativos da
experiência religiosa, modelando as
atitudes mentais.
Os breviários e a reflexões escatológicas
expressam os sentimentos religiosos em seu mais profundo sentido. Tais
confissões íntimas revelam em parte os desejos e as emoções vividas no mais
profundo âmago da existência humana. Tais escritos enquanto confissões íntimas
permite fazermos uma leitura e
penetramos no coração das sensibilidades cotidianamente vivida, assim como fornece uma explicação do
itinerário religioso-ético-moral, constitutiva de uma ascese espiritual. Tal
ascese espiritual, além de esboçar as visões do mundo, são também códigos e
estilos de comportamentos.
A literatura mística contida nos breviários
revela a estrutura mental os gestos, as emoções, incertezas e angustias diante
da vida e da morte. Sistematicamente além de revelar um estilo de escrita
pessoal até certo ponto poético, tais escritos só podem ser interpretados
levando-se em consideração as modificações do sagrado ( o campo religioso) onde
foi produzido tais escritos, assim como os elementos sagrados construtivos da
estrutura da crença. Os textos religiosos não podem ser interpretados
mecanicamente como se fossem
justificativas ideológicas de luta e de poder.[4]
Embora tais textos foram produzidos em meio a uma relação até certo ponto
antagônicas de poder eles não podem somente ser entendidos como simples
reflexos de tais modificações. Nem mesmo uma analise semântica é adequada, uma
vez que reduz o campo da crença a meras articulações mecânicas da linguagem.
Também tais textos não podem ser explicados somente a partir de uma estrutura
interna e fechada.
O manuscrito autobiográficos reproduzem com
exacção as consciências e as reflexões íntimas e sagradas (imaginário religioso) da Santa ao longo de três anos em mas
diferentes fases da vida. Os textos aqui tratados reproduzem friamente escrita
pessoal e íntima, concedida pela Madre
Inês em 1898. Trabalhar com uma documentação desta natureza requer
procedimentos metodológicos e teóricos específicos, no que se refere ao
tratamento com as fontes. A forma escrita é muito importante e deve-se levar em
consideração o estilo e composição das frase do texto. As letras minúsculas,
sublinhações, grifos, negritos, ênfases, assim como a distribuição dos
parágrafos no corpo do texto refletem não só a maneira como foram escritos, mas
também os sentimentos e os significados emotivos referenciados por uma maneira
religiosa especifico. Tal linguagem rica nos permite adentrar ao mundo das
paixões intimas, dos sentidos e sentimentos referentes às sensibilidades
religiosas. As sensibilidades religiosas enquanto resultado de experiências e
vivências coletivas redimensionada ao longo dos tempos são modelos de
espiritualidade constitutiva da experiência
humana do divino.[5]
Embora as abordagens místicas das carmelitas são incisivas em reafirmar a
grande tradição escolástica de que a historia da humanidade é articulada em
torno do nascimento e ressurreição de Cristo e seu desígnios escatológicos, ela
nos permite entender a visão interna da instituição, onde os debates internos
revelam transformações profundas e duradouras. Tais debates internos são
indicadores das transformações profundas e duradouras interrelacionadas à longa
duração das estruturas mentais ou pelo rearanjo interno que separa a massa dos
leigos e as elite eclesiástica.[6]
Os manuscritos pessoais-íntimos permite
conhecermos as confissões intimas e confidenciais, temperamentos inquietantes e
melancólicos, as incertezas, os dramas, os encontros, desencontros do cotidiano
em resposta as mais diversas situações. Embora exista uma certa tematização
subjetiva contida nos diários, elas não expressam por si a vivência cotidiana
da pessoa. [7]
Qualquer tentativa semântico-literária, histórico-subjetivista dos
acontecimentos individuais e os coletivos relacionados ao sagrado constitui-se
uma releitura subjetiva e superficial. Somente o autor sabe o teor de suas
palavras grifadas, seus sentimentos e emoções em torno de quais temas o autor
desenvolvia as idéias sobre o sagrado. A escolha de temáticas ao abordar os
relatos biográficos, os diários e confissões intimas, relacionados à vida
privada implicam uma certa arbitrariedade no trato com as fontes A interpretação dos textos em seu contexto
religioso é subjetiva sendo uma leitura relaborada do real. Para Anne-Vincent
deixar o mundo das teorias e penetrar no universo da literatura confessionária
é fazer uma reconversão da compreensão das sensibilidades entrar em ruas
desconhecidas e sinuosas conversar com as paixões dos personagens, dialogar com
os medos e sentimentos de escritores que escreveram isoladamente.
Tal literatura é um gênero sui-generis
revelando não somente uma simples
história das subjetividades, dos sentimentos psíquicos, elas nos colocam no
âmago da existência, das subjetividades das visões religiosas de mundo dos encontros/desencontros,
dos sonhos e da imaginação simbólica, nos faz mergulhar nas tradições
religiosas de longa duração vivenciadas em silêncios nas celas e nos corredores escuros e frios dos
conventos, nos revela o mundo dos encantos das paixões, emoções, religiosas,
revelando as relações que tais religiosas tiveram consigo mesma e com o mundo,
com o sagrado e com o sobrenatural. A sensibilidade é a faculdade do homem
sentir e se relacionar, recebendo e externando emoções profundas recebidas
durante uma existência, ao mesmo tempo em que fornece esquemas montais de
apreciação e codificação do outro de si, do universo, modelando as atitudes
mentais. O pensamento revela os sentimentos e podemos entender como tais
pessoas sentiam e viviam ( embora parcialmente) seus dramas existenciais.[8]
Tais obras de vida dos Santos são
itinerários de espiritualidade, são modelos religiosos a serem seguidos, e como
tal são lidos no sentido de edificarem a espiritualidade. A linguagem alegórica
revela não somente o universo da crença mas um estado de espírito, associado
aos desejos e as emoções.
Não é somente no tema que a personagem
aborda de si mesma que a interpretação deve compreender os gestos e as práticas
e os significados que ela elaborou para si, mediante ao social em que certa
inserida a atuando.[9]
Os comportamentos religiosos não podem ser
reduzidos a uma interpretação psicanalítica das emoções. O modelo de
interpretação de psicanalítico, além de ser auto centrado em torno de certos
eixos temáticos como a teoria dos complexos ou dos sentimentos ( de perda, impotência
e de violência com o real) este modelo exprime em uma relação de poder e de
deformação em sem internas do discurso,
num contexto cultural de elaboração, mas também os momentos íntimos de
elaboração de tais ato de interpretar. O quadro de interpretação não deve
contemplar as dobras do discurso, num contexto cultural de elaboração, mas
também os momentos íntimos de elaboração de tais sensibilidades. No espaço
íntimo de uma privacidade os gestos são desprovidos de repressão em parte (
mesmo no espaço íntimo há uma certa repressão).
Isto não quer dizer que existe uma relação
mecanicamente que argumenta que os comportamento e exterior
seja fruto ou simples relação de experiências relacionadas na infância.
Existe um condicionamento reflexo entre o passado e o presente. Ao colocar uma
da história da vida como determinante da história da vida das atitudes
comportamentais, gritos, escolher sexuais, que fluência artísticas, gastos,
hábitos entre modelo não terá em consideração as diversas temporalidades em que
as pessoas estão vivendo.
As confissões intimas não podem ser
interpretadas a partir da teoria
psicanalítica como se os escritos
fossem significados das emoções revelando distúrbios da personalidades:
delírios e frustrações sexuais ou o simples resultado de relacionamentos
frustrantes ou angustiantes de vivências anteriores, sem mesmo num simples
agrupamento produzido em um campo destinado a combater ou a disseminar idéias,
eles revelam o mundo íntimo das sensibilidades religiosas e como tal sua
análise não deve também ser concebida como um estilo literário, que somente
tropos e retornos estratégicos discursivas correlacionadas ao estilo internacional (proveniente do modelo
sistêmico e superficial da lingüistica). Eles são expressões sentimentais
situadas em um ambiência e tradição religiosa,
a partir do contexto onde foram elaborados. Somente tais encantos (seus
atores podem expressar realmente seus sentimentos) e toda teorização é uma
tradução um tanto ou quanto deturpada das mas vidas.[10]
O tempo de vivência de cada um é
sui-generis e mesmo qualquer tentativa de explicação já é uma recriação do real. O itinerário antropológico é
suficientemente amplo para se interpretar as relações entre o sagrado e vida
cotidiana. Sua interpretação não reduz a ordem, representado, como o único
elemento lógico de explicação do cotidiano..
Embora seus escritos sejam um composição poética e melódica de sua vida
mas não refletem ou significaram a
realidade vinda. A realidade em certa medida é uma construção da realidade.
Tanto a poesia como a música não seguem uma escala funcional ou evolucionista,
elas operam em temporalidades específicas. Desse modo cada cultura é específica
em seu todo, cada ato, cada gesto tem um significado único para ela.
O texto nos permite entender em parte o
significado da escrita para estas
pessoas enclausuradas e ascéticas em conventos religiosos, as regras e normas
de vida. O que visto realmente significam é em parte possível de se resgatar
pela documentação. Embora fontes sejam uma recriação real, submetidas as
mediações entre a alteridade. Elas também pertencem uma certa interpretação
fragmentária e significativa da cultura.
A mediação entre morte e renascimento
significa a própria dinâmica da existência, não significa uma relação de causa
e efeito e sim uma purificação ritual,
relacionadas a um conjunto explicativo de idéias relacionados ao sagrado.
Os diários íntimos não podem ser tomados
como expressão fiel das emoções e sensibilidades. Os termos abordados nos
diários, não devem ser compreendidos como expressões reais dos acontecimentos
cotidianos e privados nem mesmo o
resultado ou relações de desejos inconscientes.
A relação de projeção entre desejos
realizados ou não diante do ponto de vista psicanalítico não expressam uma
cultura. Literalmente o modelo da psicanálise ou mesmo da literatura não se
adequam a interpretações dos textos sagrados, O dinamismo e a cultura só podem
ser decifrados à partir dos próprias significados que a cultura indígena
elaboram para si mesmo, de acordo com seus valores etnocêntricos seus valores e
sua religião só podem ser interpretados a partir de seus próprios elementos. Os
diários íntimos estão imensos no campo do sagrado e uma interpretação desse
remeter ao sistemas de crença de uma elaboração.
A
escrita poética de seu textos não simbolizam totalmente a sua vida. Mas
atitudes cotidianas não são resultado copiado das atitudes de poder e de controle sobre os corpos sejam de certa
forma disciplinados pelo espaço seus comportamentos não são mecânicos.
Faz parte do hábito religioso da ordem de
escrever poemas e orações de adoração aos santos e os deuses. Esta comparação
poética, que compara elementos e diversos textos bíblicos e da caridade em que
estão, não deve ser entendido somente como um conjunto de resposta de
finalidades e problemas). Da vida cotidiana. Os diários e escrito expressam o
cotidiano em nas particularidades. Os
aspectos fragmentários e mínimos do cotidiano são expressos nos diários. Embora
eles se referem o cotidiano, os honorários da manhã, tarde e noite afazeres
cotidianos, eles não expressam o cotidiano como realmente acontecem.
Não devemos reduzir o ato de escrever a uma
sensibilidade que reduz a escrita a uma única forma de se expressar com o
mundo, ou ainda de ver o resultado de não poder se comunicar de outra maneira
com o mundo. A mesma religiosa opera em uma temporalidade especifica sem
calendários – os mesmos cronológicos opera e não compostos dentro de uma
regência especifica. Os recortes entre datas e eventos não são simples
demarcações, tais cronologias e acontecimentos são concebidos como sagrados.
Reatualizar o passado é uma forma de entrar em contato com o sagrado[11].
2- Da vida familiar ao calvário.
“Jesus,
sou pequenina demais para fazer grandes cousas...E loucura muito minha é
esperar que Teu Amor me aceite como vítima”
(
Santa Teresa do Menino Jesus e de Sagrada Face)
Madre
Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face nasceu à 02 de 01 de 1873 em
Lisieux - França - Carmelita desde 9-
4 - 1888, faleceu a 30-09-08 - 1897.[12] Madre Teresa desde criança sempre teve
uma intuição marcante a respeito do sagrado. Sua vida fora constantemente
marcada por visões e sonhos proféticos. Os rituais
religiosos e contemplativos, os êxtases, além de simbolicamente transformar o espírito
por meio da experiência do sagrado conecta-se ao campo das sensibilidades e não
podem ser reduzidos a análises psicologizantes. [13] A
vida desta Carmelita sempre fora
marcada por experiências extáticas. A
psicanalista Sonja Marjasch sugere em
seu texto que “Até agora o conteúdo de
sonhos tem sido vinculado por associações à biografia da pessoa que sonha ora a
seu mundo exterior, ou interpretado como tendências em ação na sua própria
psique. Já os grandes sonhos curativos, operam fatores que não podem ser
integrados à própria psique do sonhador sem ima perigosa inflação”.[14]
A autora discute o sonho de Teresa e sugere que sua abordagem só pode ser
realizada levando-se em consideração a experiência de vida provocada pela
dúvida e tensão da conversão de Teresa.
Nosso propósito é discutir sucintamente
algumas particularidades da experiência
humana do divino ( a experiência onírica ) de Teresa de Lisieux, tal com a descreveu em sua autobiografia,
publicada como História de uma alma à
sua irmã Maria do Sagrado Coração ( Carmelita). Descreveremos as visões de
Teresa:
Para Teresa “Nosso Senhor se revela tão bem na mais simples das almas que em nada
resiste à sua graça, como na mais sublime das almas. Não é, pois minha vida
propriamente dita que vou escrever, são meus pensamentos acerca das graças que
o Bom Deus se dignou conceder-me (...) Na história de minha alma até minha
entrada no Carmelo distingo três períodos
bem distintos”. [15]
A primeira visão de Teresa ainda em sua
casa antes de entrar ao Convento: “Um dia
porém o Bom Deus mostrou-me , em visão realmente extraordinária, uma imagem
viva da provação, para a qual teve a bondade de preparar-me antecipadamente.
Estava papai de viagem desde alguns dias, e demoraria ainda outros dois antes
de voltar. Seriam duas ou três horas da tarde. O sol brilhava com viva
luminosidade, e toda natureza parecia estar em festa. Estava sozinha, à janela
de uma mansarda que dava para o jardim grande. Olhava para a frente, com ânimo
entredido em idéias risonhas senão quando, enxergo diante da lavanderia, que
ficava bem defronte um senhor em traje absolutamente igual a de Papai, com o
mesmo porte e o mesmo modo de andar, só que era muito mais curvado...
Encobria-lhe a cabeça uma espécie de avental de cor indecisa, de sorte que não
podia divisar-lhe o rosto. Trazia um chapéu semelhante ao de papai. Eu o vi
caminhar com um passo regular enquanto ladeava meu jardinzinho.... No mesmo
instante, apoderou-se de minha alma um temor sobrenatural, mas num átimo
ponderei que, indubitavelmente, Papai estava de volta e se escondia para me
causar surpresa. Então chamei bem alto com voz trêmula, Papai, Papai!...Sem
embargo, o misterioso personagem parecia não ouvir-me . Continuava seu passo
regular, sem virar sequer para trás. Seguindo-o com os olhos, avistei-o quando
se dirigia para o arvoredo que cortava em dois o grande caminho do jardim.
Contava vê-lo reaparecer no outro lado das grandes árvores, mas a visão
profética tinha se desvanecido!...Tudo foi obra de um instante apenas, mas
gravou-se-me tão viva no meu coração que no dia de hoje quinze anos após... a
lembrança me está presente, como se a visão continuasse diante de meus
olhos....” [16]
A segunda visão de Teresa é mais extática.
Estando acamada e orando “ De repente a
Santíssima Virgem me parece bela, tão bela, como nada tinha visto nada tão
formoso. O rosto irradiava inefável ternura , mas o que me calou fundo na alma
foi o “empolgante sorriso da Santíssima Virgem”. Nesta altura desvaneceram
todos os meus sofrimentos. Das pálpebras me saltaram duas grossas lágrimas e
deslizaram silenciosas sobre as faces. Eram lágrimas de uma alegria sem
inquietação.... Oh pensei comigo a Santíssima Virgem sorriu para mim, como sou
feliz .... Mas nunca jamais contarei a ninguém, por que então desapareceria
minha felicidade.”[17]
A vida religiosa da freira se liga ao
sobrenatural, ao “além”, como mediação da existência humana, coligando
elementos sagrados e representações acerca do mundo divino e sua inter-conexão
em relação às atitudes diante da vida, da morte e pós-morte. A religião
estabelece um equilíbrio entre o radical e o sobrenatural, manifestada como
fenômeno religioso. Para Alphonse
Dupront:“O fenômeno religioso pertence ao
ponto de vista temporal, ao longo prazo. Mais ainda: as suas transformações,
mesmo a sua evolução são muito lentas no que se refere aos hábitus adquiridos e
à visão de mundo”. [18]O
fenômeno religioso possui um ritmo lento e profundo; a alma coletiva absorve
estes elementos e os transfigura em uma linguagem escatológica própria. Com
relação à experiência religiosa Dupront aponta que: “Através da experiência religiosa, o homem vive um ritmo lento, a qual
oferece quando apreendido em seu próprio movimento uma extraordinária e talvez
única possibilidade de decifrar confissões e testemunhos e o duplo sentido do
combate de existir e da interpretação que o homem dá a si mesmo de tal combate”[19].
A história religiosa (de Madre Teresa ) é
um processo lento, desenvolve-se na longa duração, no tempo, com uma pesada
gravidade reverente. As freiras são portadoras de uma economia religiosa (mental e verbal do cerimonial litúrgico) referente
à constituição de modelo exemplares sob
a forma de Santos e Mártires. A retórica dos sermões, ou a lógica das orações,
tudo isso consiste em um meio de exteriorizar a espiritualidade. As
soteriologias ensinam às sociedades com quem eles se relacionam a maneira de
vencer a morte ou de ressuscitar. Os breviários e os livros de literatura
mística (fazem parte da espiritualidade da ordem Carmelita) modelam o
imaginário religioso, ao mesmo tempo em que a reflete sendo expressão deste
universo profundo, entre o real e o imaginário.
Dentro desta liturgia se encontra expressa
uma história dos comportamentos coletivos, os modelos de escrita, que se
encontram nos versos dos livros o campo simbólico das representações religiosas
e deixam traços poéticos na alma coletiva da Ordem Carmelita. As Irmãs
Carmelitas são portadoras de um capital lingüístico religioso específico que
simbolicamente remete a uma ligação mística do homem com o sagrado. O
historiador Dominique Júlia enfatiza
sobre este aspecto os seguintes pontos:“ Com
o mistério (redenção) portanto estamos em presença de um drama de relações
entre o tempo e a eternidade: o que parece, depois de tudo, a graça única de
todo acontecimento singular, sobretudo na medida em que se torna sagrado”. [20]
Não podemos ignorar a literatura mística, pois enquanto uma língua litúrgica
remete ao campo simbólico das sensibilidades, comportando uma concepção de
tempo. (tempo escatológico).
O tempo profundo da escatologia cristã
reflete na conduta religiosa das carmelitas determinadas atitudes. Para
Dominique Júlia: “Depois de toda a
criação mística de toda potência coletiva, de suas pompas e de duas obras, a
vida do tempo; de vários tempos e não de um só. Entrelaça-se os tempos que só
pode dizer linear das continuidades históricas, tempo do emotivo sacro a
esperar, seja da profecia, ou mais solenemente da escaté. Nesse tempo
escatológico não há mais homogeneidade aparente, mas há ritmos, periodicidade. Isso
se registra no saber de cada século novo, por exemplo ou na aproximação de
milênios”.[21]
A forma eremítica de vida com sua imagens
de deserto (isolamento); é um
poderoso elemento na constituição da espiritualidade medieval (e as carmelitas
também a praticavam) acrescentando elementos ao imaginário. O deserto
imaginário dos conventos são lugares de provas, solidão, reflexão acerca da
existência da alma humana e da obra de Deus, e o local onde a espiritualidade
atinge o ponto máximo. Para Jacques Le Goff “Ele é o teatro das sombras das tentações e combate espiritual contra a
legião de demônios”.[22]
No
novo testamento ele aparece como o lugar de tentações, provas morada e
purificação, sendo o apóstolo Paulo o primeiro eremita Cristão. O deserto monástico é o local dos carismas
e de todas teofônias e aparições e o ingresso no deserto segundo São Jerônimo é
encarado como um segundo batismo .[23] Era
necessário vencer todas as angústias e tentações do coração humano, vencer as
legiões de demônios - os desejos . Ainda para Jacques Le Goff: As carmelitas ao retomarem o ideal de penitência- clausura, retomam também esta
prática.
O deserto é um local geográfico (montes,
casas de retiro) e ao mesmo tempo simbólico. É o lugar da penitência e das
provocações. É o local de produção do imaginário como atesta a literatura
mística- carmelita. O deserto (eremitismo)
era associado ao local de solidão, resignação, refúgio, asilo, lugar de
batalhas contra as tentações do demônio, assim como de vitória de entrega total
as forças do sagrado.[24]
Os livros de literatura mística acerca da
vida dos Santos, dos mártires da Igreja, congregam imagens que irrigam a
espiritualidade motivando atitudes em relação ao mundo social[25].
A espiritualidade
(conjunto de regras, práticas e
normas de conduta relativas ao catolicismo) fazia parte de uma grande
parcela da população européia, dando sentido aos atos e ações da mesma. A
sensibilidade religiosa era relaborada pelos agentes sociais dependendo de suas
necessidades afetivas e sobrenaturais.
O martírio segundo as fontes
carmelitas refere-se a imolação e
sacrifício - no sentido etimológico tem sua origem do grego - martus -
testemunha - martiryum ( Ga. 2,20 ). No início do cristianismo o termo martírio
era utilizado pelos cristãos através da morte. ( Cf: At. 7,55-60;
22-20- Ap. 2,13; 6,9; 17,6). Tratava-se da expressão clássica e acabada
do testemunho cristão. O emprego era ao mesmo tempo utilizado para designar o
testemunho selado com a morte ( martírio perfeito ou consumado , largamente
discutido por Clemente de Alexandria. O martírio da morte era a perfeição.
Também era um testemunho dado aos tribunais ou ainda sofrendo maus tratos e
prisões por causa da fé designado incoativo.
Também era vivenciado pelo testemunho pela palavra ( homologetés).
Num terceiro sentido martírio era atribuído a própria vida cristã
calcada na fidelidade e constância da observância da crença ( martírio branco)
aplicado de modo especial a virgens e frades. Em todos os sentidos martírio
está relacionado à imitação de Cristo, podendo ir do martírio branco( martírio
espiritual) ao martírio de sangue com o testemunho do calvário. As carmelitas
primam pelo desejo do martírio, podendo chegar a perda da vida ( martírio
cruento ), ou adquirido pela vivência espiritual ( martírio incruento), ou pode
advir de uma só vez na morte simbólica pelo batismo ( martírio
espiritual-místico) Em todas as dimensões do martírio aparece o aspecto
cristocêntrico.[26]
O isolamento
nos ermitórios associado à contemplação do divino desencadeava atitudes diante da vida e da morte, refletindo determinados
comportamentos acerca do sagrado e do profano. A solidão penetrava no fundo das
almas atingindo o coração. Esta prática modelava a espiritualidade, dando
sentido e referenciais aos pensamentos e às condutas religiosas. Tomando como modelo a vida de Cristo e sua meditação
no deserto (eremitismo), os freiras carmelitas incorporam esta prática
religiosa a sua vivência cotidiana. O isolamento no ermitório além de
restabelecer a contemplação da obra de Deus purificava a alma. [27]
Através do combate espiritual às forças do mal elas se tornavam aptas e
fortalecidos espiritualmente para anunciar e pregar a palavra de Deus. Para as
pessoas cristãs a vida eremítica era sinônimo de santidade. A penitência que se
vive é, em ultima análise, a santificação
no sentido apocalíptico (revelador)
do simbolismo cristão do deserto. [28]
Ao retomarem este ideal, eles (os
carmelitas) tomavam como modelo de vida a conduta e a espiritualidade de Cristo
e seus apóstolos (estes últimos eram simbolicamente representados como
verdadeiros mensageiros de Deus), que deveriam ser imitados. Daí que cada
freira elege um santo, santa, Maria ou um apóstolo
como seu protetor e intercessor
individual, além dos santos tradicionais da Ordem. Ser freira (religiosa) é
ser filha e esposa de Deus (anunciador da palavra e da fraternidade universal
Cristã). Sua conduta e suas ações não
podem ser afetadas pelas coisas seculares (do mundo). A irmã (freira), sendo
uma esposa de Cristo, sofre ainda mais as provações e tentações do diabo. Este tenta a todo o momento destruir a obra de
Deus e de seu rebanho.[29]
A
espiritualidade carmelita é centrada no
modelo de vida evangélica de Maria e no martírio de Cristo crucificado. Como
enfatizado, esta particularidade conduzia um estilo de vida ascético e místico.
Tais disposições comportamentais atuam na formulação de um hábitus religioso
específico, (sistema de disposições adquiridas que modelam a visão-de-mundo, as
representações simbólicas deste,
retrabalhando as atitudes religiosas das freiras - ao mesmo tempo em que
reproduz o funcionamento e a própria estrutura organizacional da Igreja e da
Ordem). As atitudes religiosas
interiorizadas comandam as percepções e a
apreciações do sagrado, e do profano. A ligação mística com o martírio de
Cristo remete ao ascetismo severo da negação da vida secular. Simbolicamente,
somente o místico (aquele puro de alma e de coração) possui capacidade de visões, revelações, e profecias[30]
- sendo legitimado escatologicamente para orientar a vida das pessoas, tirar
dúvidas de consciências e exteriorizar o amor de Cristo.
Através do desprezo da luxúria mantendo uma vida constante de oração e de meditação todos
os dias acerca dos evangelhos e das vidas dos santos. Seu hábitus religioso é voltado a contemplação e à devoção da dor de
Cristo crucificado. Sua vida é de martírio e penitência compenetrada na
exaltação do sobrenatural repudiando o mundo profano, representado como
pecaminoso. As freiras evitam os
prazeres seculares da carne, para não cair no pecado. Repudiam o desejo da mente e do coração. Mantêm a castidade como condição da purificação do corpo e da dignidade de
ter Cristo na alma e no espírito, ou
seja, esperavam ter uma experiência
religiosa com Deus, semelhante a Cristo
e aos primeiros cristãos, quando estes receberam as revelações diretamente do
altíssimo.
Naturalmente, suas práticas e experiências
religiosas eram inspiradas pela mística
cristã da ascensão de Cristo aos
céus que se tornará o modelo da própria santificação simbólica e transcendente
(sobrenatural) de Cristo. Também
desenvolviam técnicas disciplinares (jejum e oração) que ajudaram a atingirem
a espiritualidade. O jejum, vigílias noturnas, entonações de cantos sacros
(parte do referencial litúrgico e sacramental) a contemplação das belezas de
Deus, eram parte integrante destas práticas.
A experiência
mística conduz a um estágio normativo de vida, modelando comportamentos,
ações, atitudes, reelaborando a visão de mundo. Os efeitos destas práticas
religiosas que resultavam em determinados comportamentos (estilo de vida
ascético), refletia o carisma da ordem. O
desprezo pelo mundo e a luta contra a carne (dos desejos), o diabo
(tentações) e o mundo (fascínio) e suas ilusões, compunha, como vimos, parte do
ideário religioso destas religiosas. A própria noção de freira (irmãs-esposas
em Cristo) é uma das características centrais da Ordem, implicando em uma forma
de vida cotidiana (viver em comunidade fraterna) voltada ao projeto da caridade
cristã e universal.
A freira vivência um estilo de vida voltado à espiritualidade (enquanto um conjunto de
práticas e experiências religiosas que atribuem sentido a sua vida cotidiana)
retrabalhando sua visão de mundo, e
seu hábitus religioso dentro da
ambiência religiosa da ordem (o estilo de vida evangélico, gostos, preferências
e disposições estéticas e sagradas modelam um hábitus religioso específico). O
ethos, enquanto estilo apostólico e monástico de vida, propunha uma
espiritualidade centrada em valores cristãos. Dessa forma, as carmelitas
distinguem-se radicalmente de outras ordens cristãs pela própria formulação de um hábitus religioso distinto.
As carmelitas entendiam, concebiam
(autocompreendiam) que suas práticas religiosas eram umas das únicas que
congregavam a verdadeira fé
permanecendo fiéis às suas tradições religiosas. Cristo representava para estas
freiras o profeta da vida interior, e
portanto viver em Cristo, supunha o abandono total das coisas terrenas,
objetivando-se elevar a espiritualidade à potência máxima. Cotidianamente
exercitavam forte inspiração nas leituras
místicas em relação à vida dos santos e dos mártires da Igreja (martírios e sofrimentos). Estas leituras
serviam de modelos e ideal de vida a ser seguido na vida religiosa.[31]A
humildade e penitência-sofrimento são levadas as últimas conseqüências
objetivando alcançar a santidade. A humildade torna-se um pré-requisito para se
atingir a perfeição espiritual, e a Glória de Deus no paraíso, através da imitação da vida da Sagrada Virgem, que é o
símbolo - mártir da Ordem concebida pelas
Carmelitas como símbolo ideal - tipo de vida cristã em comunhão (ligação) com Cristo.
Modelando-se no sofrimento (martírio) de
Cristo esperaram adquirir a receptividade interior a Deus. Vivendo como irmãs
em Deus (como fazia Jesus e seus apóstolos sendo recíprocas com os animais, pobres, órfãos, desamparados, leprosos) seriam lembrados por Deus
(lembrando simbolicamente a salvação da alma). Acreditava-se que a Virgem
Santíssima teria recebido sua missão diretamente de Deus. As carmelitas (no calvário) eram obrigadas a estudar a
vida dos Santos e da Virgem, aprendendo suas normas e ética de vida (aprendendo
sua presença divina) observando os mandamentos de Cristo, introjetando-os como
exemplos a serem seguidos e exteriorizando-os em atos e comportamentos de
religiosidade, constituindo um hábitus
religioso específico, ou seja o
espelho da perfeição.
Para as carmelitas a caridade deve ser praticada não só entre os irmãs da ordem, como
também entre as pessoas necessitadas tais como leprosos, doentes, idosos,
angustiados, desesperados. Mantinham uma vida fraterna, entre a comunidade
de irmãos nos conventos, no santuário e ermitérios. O simbolismo da cruz suscita no hábitus carmelita um profundo
sentimento de resignação da vida e do martírio de Cristo, traduzindo-se em
atitudes diante da vida e da morte, do natural e do sobrenatural[32].
Como vimos a compenetração espiritual do isolamento nos ermitórios conduzia a viagens imaginárias e místicas( visões experiências em relação a
anjos e santos)
Para as irmãs o modelo de vida, a conduta e
a espiritualidade de Cristo e seus apóstolos (estes últimos eram simbolicamente
representados como verdadeiros mensageiros de Deus), deveriam ser imitada. Daí
que cada religiosa elege um santo santa ou um apóstolo como seu protetor e
intercessor individual, além dos santos tradicionais da Ordem. Ser
religiosa é ser esposa e irmã de Deus (anunciador da palavra e da fraternidade
universal Cristã). Sua conduta e suas ações não podem ser afetadas pelas coisas
seculares (do mundo).A freira sendo esposa de Cristo, sofre ainda mais as
provações e tentações do diabo. Este
tenta a todo o momento destruir a obra de Deus e de seu rebanho. O tipo de
conhecimento ( vivenciado por Madre
Teresa ) elevado-místico só pode
ser alcançado por pessoas como os profetas e os místicos, que receberam esse
dom especial de Deus, através de qualidades intuitivas, repetitivas, exigida
por uma disciplina como a meditação e contemplação dos mistérios acerca da
criação.[33]
3- História de uma alma: Santa Teresa do
Menino Jesus e de Sagrada Face.
“Oh! Como descrever a angústia do meu
coração....Compreendi num instante o que era a vida. Até ali não a tinha vista
tão tristonha, mas então se me deparou com toda sua realidade. Vi que não era
senão sofrimento e separação contínua. O Bom Deus inspirou-me os sentimentos
que acabo de descrever. Fez-me outrossim, compreender que minha glória
característica não aparecia aos olhos dos mortais mais consistia em tornar-me
grande Santa!!! Poderia tal desejo parecer temeridade, tomando-se em
consideração quanto era fraca e imperfeita, e quanto ainda o sou, depois de
passar sete anos de religião. Muito embora sinto sempre a mesma audaciosa
confiança de tornar-me grande Santa, mas não conto os meus méritos, por não ter
nenhum, mas espero em Aquele que é a Virtude, a própria Santidade Só Ele é que,
cingindo-se com seus méritos infinitos, fará de mim uma Santa.”
Os estudos de ordens religiosas foram sobretudo realizados em seu aspecto exterior, como adversários
políticos ou como agentes evangelizadores. Tal enfoque prioriza as relações e
mediações entre os religiosos e leigos. Os historiadores encontram dificuldades
em interpretar a vida cotidiana e os sentimentos profundos que regulam a vida
existencial-religiosa dos religiosos. Nesse sentido, os estudos religiosos
deixaram a desejar quanto ao cotidiano e a vivência espiritual. Os estudos do cotidiano contemplaram basicamente a estruturação
das idéias teológicas do ponto de vista das mentalidade que regularam as
atividades e os hábitos cotidiano. Jaques
Le Goff mostrou a riqueza de se estudar a geografia espacial do pensamento
na constituição do surgimento do purgatório. Jean Deluameau também inovou
quanto auto aos estudos do imaginário religioso ocidental, sobretudo quanto ao
nascimento do Paraíso e as relações e diferenças entre milenarismo e
messianismo.
Pela analise dos livros íntimos de
confissões, recuperaremos os elementos teológicos e exagéticos nos
possibilitando compreender a vida religiosa íntima( as emoções e sensibilidades
religiosas, a experiência humana do divino.[34]
Embora tais escritos nos permite resgatar os fragmentos da vida cotidiana dos
monastérios podemos também apreciar as
concepções e emoções profundas a teologia e a eclesiologia, os ritos pessoais e
os cultos íntimos a tais santos, com significativos religiosos e a dimensão que
tais relações com as imagens religiosas ocupavam na modelação de um hábitus
religioso especifico.[35]
* Mestre em História Programa de
Pós-Graduação em História-UNESP-Assis, Doutorando: Programa de Pós-Graduação em
História-UNESP-Assis- 19800-000.
[1] DUPRONT,
Alphonse. A religião Católica:
possibilidades e perspectivas. Trad. Henrique C. de Lima Vaz, São Paulo,
Loyola, 1995, 83. A espiritualidade enquanto um conjunto de práticas
relacionadas ao universo sagrado não
pode ser entendida como um simples epifenômeno de uma doutrina. Ela é recriada
a todo instante nos aspectos mais
fragmentários do cotidiano.
[2] A
espiritualidade enquanto um conjunto de práticas relacionadas ao universo sagrado não pode ser entendida
como um simples epifenômeno de uma doutrina. Ela é recriada a todo instante nos
aspectos mais fragmentários do
cotidiano. Sobre o assunto ver a vasta literatura antropológica.
[3] DUPRONT,
Alphonse. Igreja católica. op. cit. p.85
[4] As idéias
acerca dos fenômenos religiosos são modificadas pelos fiéis diante da necessidade
de explicarem suas perplexidade diante do mundo. As idéias de religião , assim
como a arte não seguem uma escala evolucionista, elas são continuamente
redefinidas de acordo com as necessidades existenciais, e espirituais. Sobre o
assunto remeto o leitor ao livro de: ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo
e islamismo. Trad. Marcos Santarrita, São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p.
23-35.
[5] DUPRONT,
Alphonse. A Religião: Antropologia Religiosa. LE GOFF, Jacques, Novas Abordagens. trad. Henrique
Mesquita, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988; DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. trad. Carlos
Aboim de Brito. Ed. 70:Lisboa, 1993.; KEIL, Ivete Manetzeder. A dinâmica do imaginário na poética da
escrita: Notas provisórias. Estudos Leopoldinenses, vol. 31, n.142.
maio/junho 1995.
[6] GUITTON, Jean: Jesus.
trad. Oscar Mendes, Belo Horizonte Ed. Atalaia, 1960; BERGER, P. La Religion dans la conscience Moderne.
Trad. J. Feirthouse. Paris: Ed. du Centurion, Coll Relligion et Scienes de
L’homme, 1971.
[7] VINCENT-BUFFAULT, Anne. Do
pudor a Aridez. trad. Luiz Marques
e Martha Gambini. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.
[8]GUEDES, Maria
Lúcia. Sagrado: Ilusão e imaginário(
comentário). Interfaces do sagrado em vésperas do milênio. Olho D’agua ,
1996.p. 51. O discurso religioso se encontra tanto num objeto real (experiência
real) como numa construção simbólica arbitraria, responsável por sua eficácia.
Eficácia em instruir os homens no que deve e no não deve ser feito para afastar
a violência que ameaça a ordenação e portanto a sobrevivência das comunidades
humanas. p.51
[9]Os breviários
e livros místicos sinalizam modificações e confrontos de mudanças religiosas-
dogmáticas de geração para geração. Ver:
AMARGIER, Paul. Mentalités et Culture in: Annales, no.
02, maio - abril, 1972.
[10] Na visão
religiosa todos os atos humanos são considerados como manifestações da vontade
divina. O sistema religioso fornece referencias aos seres humanos em relação ao
sagrado e ao profano. O mundo social é ordenado dentro de uma temporalidade
sagrada e os atos humanos são considerados sagrados. A história da perfeição
espiritual repousa em um vasto referencial documental elaborado pelos
religiosos particularmente em seus breviários, diários e livros de oração. Para
uma discussão sobre a temporalidade sagrada do cristianismo Ver: ROUSELLE, A. O
cristianismo. In: BURGUIÈRE, André. (org.) Dicionário das ciências históricas. trad. Henrique de Araújo.
Mesquita. Rio de Janeiro: Imago, 1993. p.198-199.
[11] GUEDES, Maria
Lúcia. Sagrado: Ilusão e imaginário(
comentário).op. cit. Ver também GORGULHO, Gilberto da Silva. Sagrado: Ilusão e imaginário.
Interfaces do Sagrado. op. cit.pp.47. As analises da religião devem ser
provisórias e fragmentadas.
[12] Para se ter
uma panorama mais adequado da vida ( biografia ) de Teresa do Menino Jesus e da
Sagrada Face) remeto o leitor
diretamente ao texto: Teresa do Menino
Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos autobiográficos. trad. das
religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed
brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires Martins. São Paulo: Paulus, 1986.
[13] Sobre a experiência humana do divino e a importância deste
aspecto em relação aos comportamentos religiosos é interessante consultar o
livro de MESLIN, M. op. cit., especialmente as pp. 200-201. Meslin enfatiza que
a experiência mística fundamenta-se não só na crença como também, na
expectativa individual e coletiva do místico. Este através de exercícios
espirituais e de um ascetismo rigoroso realiza viagens imaginárias ao além e
entrando em contato com o sobrenatural. O livro do autor é extremamente rico e
denso, apresentando um diálogo intenso com a historiografia acerca da história
das religiões.
Apesar do
autor se reportar a antigüidade tardia e analisar os cultos de mistérios ele
interpreta também o cristianismo primitivo. Cf: BURKERT, Walter. Antigos cultos de mistérios. trad. Denise
Bottmam. São Paulo: Edusp, 1991.
[14] MARJARSCH,
Sonja. “Sobre a psicologia do Sonho de Cal Gustav Jung” in: CALLOIS , Roger e
GRUNEBAUM, G. E. O sonho e as sociedades humanas. Rio de Janeiro. Francisco Alves,
1978. p. 99.
[15] A própria Teresa divide cronologicamente sua
história de vida. Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma:
manuscritos autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do Imaculado
Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires
Martins. São Paulo: Paulus, 1986.
[16] A visão - sobrevinha em pleno dia e não em
sonhos - ocorreu no estio de 1878 ou 1880. Cf.
Teresa do Menino Jesus, Santa. História de uma alma: manuscritos
autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do Imaculado Coração de Maria
e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe. Waldomiro Pires Martins. São
Paulo: Paulus, 1986.pp.23-24.
[17] Cf. Teresa do Menino Jesus, Santa. História de
uma alma: manuscritos autobiográficos. trad. das religiosas do Carmelo do
Imaculado Coração de Maria e de Santa Teresinha. ed brasileira pelo Pe.
Waldomiro Pires Martins. São Paulo: Paulus, 1986.pp.63.
[18] Cf. DUPRONT,
Alphonse,: A Religião: Antropologia Religiosa. in.: LE GOFF, Jacques,: Novas Abordagens, trad. Henrique
Mesquita, Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1988, p. 83.
[19] Cf. DUPRONT, Alphonse. A
Religião:
Antropologia Religiosa. in.: LE GOFF, Jacques,: Novas Abordagens, trad. Henrique Mesquita, Rio de Janeiro.
Francisco Alves, 1988, p. 84.Para se ter um panorama sobre o confessionário ver
DELUMEAU, Jean. A confissão e o perdão.
O autor analisa o cotidiano da prática do confessionário, correlacionando
os sentimentos de atrição e de contrição dos cristão, sobretudo como
era prescrito a penitência para se alcançar o perdão. Delumeau aponta ainda o
papel significativo do confessionário na vida de milhares de pessoas. Os
confessores eram médicos de almas e
prescreviam a cura das mesmas aos supostos
pecadores. A Contra-Reforma também se efetivou ao nível da arte, postulando uma
nova estética. Ver: BOGLONE, Jean-Pierre. História do
pudor.
op. cit. pp.54.
[20] JÚLIA,
Dominique, A Religião: História
Religiosa. LE GOFF, Novas Abordagens.
Trad. Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 131.
[21] Idem,
Ibidem,p. 98.
[22] LE GOFF. O Maravilhoso e Cotidiano no Ocidente Medieval,
op. cit., p. 43.
[23] Idem, Ibidem,
p.44.
[24] Os crucifixos utilizados pela irmãs carmelitas
apresentam Cristo retorcido e agonizante em suas dores. A força simbólica da
imagem está naquilo a que o símbolo se refere. Ver MESLIN, Michel. A experiência humana do Divino, op.
cit., p. 100. Para se ter uma discussão mais aprofundada em relação ao poder
simbólico das imagens é interessante consultar: REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS,
no. 15, 5ª série, 1993. Ed. Guides, Lisboa, 1995. p. 30. Ver também DURAND,
Gilbert. A imaginação simbólica.
Trad. Carlos Aboim de Brito, Ed. 70.
[25] Ver sobre
este aspecto: Cf.: MESLIN, Michel.: A
experiência Humana do Divino, op. cit. Cf.: ARMSTRONG, Karen,: Uma história de Deus, op. cit., p. 96. A
Igreja é referenciada como o corpo místico de Cristo, e enquanto tal está
legitimada (escatologicamente) a exerceu seu poder de conduzir os homens à
salvação.
[26] Dictionaire
de Theologie Catholique, Paris: Librairie Latouzey, 1950, v. 9.
[27] O tipo de conhecimento elevado só pode ser
alcançado por pessoas como os profetas e os místicos, que receberam esse dom
especial de Deus, através de qualidades intuitivas, repetitivas, exigida por
uma disciplina como a meditação e contemplação dos mistérios acerca da criação.
Esta tradição judaica é retomada em consonância com os desígnios cotejando um espírito
profético. Para Karen Armstrong: “Quando os profetas e santos alegam ter
experimentado “Deus”, não o conhecem como ele é em si mesmo (Deus não pode ser
conhecido) mas suas atividades divinas dentro deles, que são uma espécie de
fulgor residual da realidade transcendente e inacessível”. Cf. ARMSTRONG,
Karen: Uma História de Deus. op.
cit., p. 198
[28] LE GOFF,
Jacques. O Maravilhoso e Cotidiano no Ocidente Medieval. op. cit., p. 54
O sentido de legitimidade comunitária ajustava aos padrões rituais (em sintonia
com o contexto simbólico da espiritualidade da Ordem) conferindo a estes uma
percepção do mundo social e um significado prático as ações cotidianos.
[29] Diabo: aquele que veio
para dividir e causar confusão. Sobre o assunto consultar: Dicionário
Franciscano: Tradução de Almir Ribeiro de Guimarães O.F.M. e Ediney da Rosa
Cândido, Petrópolis: Vozes/CEFEPAL, 1993, 952 p.425; Dictionaire de Theologie
Catholique, Paris: Librairie Latouzey, 1950, v. 9. Ver também: NOGUEIRA, Carlos
Roberto F. O Diabo no Imaginário Cristão,
op. cit., p. 37-38. Para Nogueira o mundo: “É um mundo de desequilíbrio no qual
entre Deus e Satanás - nesse trágico dualismo que embora não admitido
dogmaticamente, é vivenciado na prática - o homem deve combater a tentação da
carne, cotidianamente presente”. p. 36. Sobre o diabo e o medo suscitado pela
sua presença ver também DELUMEAU, Jean, História
do medo no Ocidente, op. cit.
[30] Profetizar significava denunciar as injustiças
sociais, a ignorância religiosa,
anunciar as boas novas - a palavra de Deus aos homens. Além disso, existe uma vasta literatura sobre a mística franciscana, merecendo um estudo
em separado pela sua riqueza e particularidade.
[31] As leituras
concernentes à vida dos Santos (literatura mística) suscitava nas
carmelitas uma introspecção em relação
ao sofrimento de Jesus no calvário conferindo ênfase na ressurreição. Para uma
análise mais acurada sobre às sensibilidades religiosas concernente a
utilização dos recursos simbólicos do cristianismo ver: BOGLONE, Jean-Claude. História do pudor. op. cit. 333-341.
Muitas imagens que anteriormente eram representadas nuas passaram a ser
retratadas vestidas, implicando em uma nova forma de sensibilidade religiosa.
[32] PEDROSO, Frei
José Corrêa. ( O. F. M. Cap. ). Olhos do
Espírito: Itinerário na comtemplação na escola de Francisco e Clara de
Assis. Seminário Seráfico São Fidélis: Piracicaba, 1991. pp. 109-121. Ver
também: Dicionário Franciscano: Tradução de Almir Ribeiro de Guimarães O.F.M. e
Ediney da Rosa Cândido, Petrópolis: Vozes/CEFEPAL, 1993. pp. 417-421.
[33] Esta tradição
religiosa comporta um espírito profético.
Para Karen Armstrong: “Quando os profetas e santos alegam ter experimentado
“Deus”, não o conhecem como ele é em si mesmo (Deus não pode ser conhecido) mas
suas atividades divinas dentro deles, que são uma espécie de fulgor residual da
realidade transcendente e inacessível”. Cf. ARMSTRONG, Karen: Uma História de Deus. op. cit., p. 198
[34] DELUMEAU,
Jean. Confissão e Perdão: as
dificuldades da confissão nos séculos XIII a XVIII, trad. de Paulo Neves. São
Paulo: Cia das Letras, 1991, pp. 58-63. O autor analisa o cotidiano da prática
do confessionário, correlacionando os sentimentos de atrição e de contrição
dos cristão, sobretudo como era prescrito a penitência para se alcançar o
perdão. Delumeau aponta ainda o papel significativo do confessionário na vida
de milhares de pessoas. Os confessores eram médicos
de almas e prescreviam a cura das mesmas aos supostos pecadores. A Contra-Reforma também se efetivou ao nível da
arte, postulando uma nova estética. p. 81. Principalmente os pecados ligados a
sexualidade eram tidos como os mais perniciosos à alma. p.85. BONNE, Henry. Histoire des ordes religiex. Paris: Pres
Université de France,1944. GINIO, Alina
Meyuas. Rêves de Croisade Contra les Sarracins dans la Castille de XV siècle
(Alonso de Espina , Fortalitium Fidei ). op. cit.p. 145-147. São Boaventura. Obras escolhidas.(org.) Luis Alberto de
Bonni e Frei Saturnino Schneider. Porto Alegre Escola Superior de Teologia São
Lourenço de Brindes: UCS,1983.