Monarquia sagrada e sacrifício ritual do rei no Golfo do Benin
Claude Lépine
Faculdade de Filosofia e Ciências/UNESP, Campus de Marília

Nosso trabalho revisita o velho tema da monarquia sagrada e do sacrifício ritual do rei na Àfrica, focalizando como objeto de estudo os reinos Ajá e Yoruba do Golfo do Benin. O nosso principal objetivo foi dar continuidade a uma discussão que foi retomada recentemente por vários antropólogos, e examinar o caso específico dos povos acima. Utilizamos como material a literatura etnográfica e antropológica sobre o assunto. A análise desse material permitiu concluir que na área cultural considerada: 1) a sacralização é proporcional às forças que se opõem à monarquia; 2) contrariamente à opinião de Meillassoux ela constitui uma estratégia de defesa da monarquia, ao invés de ser-lhe imposta pelos chefes locais; 3) contrariamente à tese de Muller e outros, os reis, naquela área cultural, não são sacrificados simbolicamente como bodes expiatórios. Sua morte simbólica é a condição de sua passagem para o status de antepassado no qual perdem sua individualidade, identificando-se com a dinastia como um todo; 4) os "indecifráveis" ritos de entronização procuram resolver a contradição entre a exigência da morte do rei, e a necessidade dele continuar vivo para poder governar; 5) sua condição de mediador entre o mundo humano e o mundo sobrenatural faz do rei o esteio da ordem cósmica e social, e um ser dotado de poderes milagrosos; 6) o rei sagrado é duplo, e esta dualidade constitui um dispositivo simbólico, uma estrutura cujas variantes atribuem conteúdos diversos (morto/vivo, guerreiro/pacífico; macho/fêmea, jovem/velho, homem/santo, etc.) aos elementos do par, e pode ser encontrada nos mais diferentes recantos do mundo, inclusive na Europa medieval; 7) o rei encarna a coletividade: no seu rei um povo afirma sua identidade, sua unidade, e sua vontade de eternidade.