Mito e Cura no Movimento Carismático Católico
Larissa de C.
Naves
Para iniciarmos está exposição, penso que seria válido
mencionar o nosso grande interesse por mitologia e pelo modo como se dá sua
produção. Quando nos dispomos a estudar mitos, entramos num mundo “fantástico”,
diríamos até que “sagrado”, para passarmos pelo portal iniciatório, temos que
nos despir dos mais variados preconceitos e então passaremos a ver as histórias
como elas realmente são, como elas se fazem presentes na vida quotidiana dos indivíduos. A partir desse
momento nunca mais duvidaremos de sua realidade objetiva e não mais ouviremos
uma história sem que ela nos deixe uma sensação de mistério e maravilhamento.
Por ser confundido no senso comum com fantasia, fábula, ou seja, história não
verdadeira e que no máximo esconde uma lição moral, os mitos nos passam ás
vezes, despercebidos. Pensando principalmente na contemporâneidade, não fazemos
a menor idéia de onde encontrá-los. Diríamos que temos hoje um momento crucial,
nunca em toda história humana tivemos conhecimento de tantas mitologias. O
processo de globalização trouxe-nos uma quantidade enorme de saberes, o que
pode ser um tanto angustiante para uma geração que se vê perdida no meio de
tantas possibilidades.
Foi pensando o mito e supondo sua relação com o processo de
cura que se dá quando se acredita em um “mito de cura” que resolvemos estudar esse assunto. Para
ilustrar, Levi-Strauss nos conta um caso dos Cuna, uma tribo indígena sul-americana, que habitam a região da República do Panamá. Havia na tribo, uma
parturiente com dificuldades no parto e para ajudá-la se convocou o xamã, que
vem e não mede esforços, trazendo seus apetrechos e preparativos. Começa então
a entoar um canto no qual os personagens são figuras conhecidas por todos dessa
cultura e com seus rituais e ao som de seu canto, que fala de um percurso que
ele estaria percorrendo até se encontrar com Muu, o potencial criador do feto,
que nesse momento se exagerou e apoderou-se da alma da parturiente, daí os
problemas decorrentes, o xamã enfrenta
obstáculos e feras e é acompanhado por espíritos que o protegem, até conseguir
convencer Muu a libertar a parturiente e voltar a seus antigos domínios.
Podemos observar aqui, como afirma James G. Frazer, que a mitologia, os símbolos e os rituais utilizados estão de tal
forma interligados, que se explicam e se legitimam.
Temos inúmeros casos dispostos no senso comum nos falando
de curas milagrosas ocorridas dentro de determinadas organizações religiosas,
curas essas que não se enquadram dentro do modelo médico vigente e por esse
motivo são chamadas de paramédicas ou como William James cita em As variedades da Experiência Religiosa, “cura psíquica”, que
ocorreriam através de uma higienização
mental, ou seja, passa-se a professar discursos positivos e
auto-confiantes, advindo daí uma nova postura diante da vida. Tais curas sempre
estiveram ocorrência na história humana, a metodologia utilizada, os símbolos e
as formas de empregá-los mudam de cultura para cultura, de tempos em tempos,
mas os fatos de que a população tem notícias continuam acontecendo.
Para averiguar esse fato, recorremos ao Movimento da
Renovação Carismática Católica que no Brasil vem crescendo bastante e se tornou
nos últimos meses um dos grandes utilizadores da mídia como meio de
“evangelização em massa”.
Esse movimento apareceu nos Estados Unidos em meados desse
século com a finalidade de fazer insurgir dentro da Igreja Católica os antigos
“dons do Espírito Santo” e revolucionar a antiga forma de conduta dos fiéis. O
dom de cura é um dos dons do Espírito deixados por Jesus Cristo para legitimar sua
constante presença entre seu povo. Dentro de um grupo de oração da RCC essas
curas se dão pela imposição das mãos dos participantes do grupo sobre “o
doente”, que logo após o momento de oração se dizem curados dependendo do que
tenham sentido, isso de chama “dar testemunho”, uma outra forma é quando um dos
participantes que possuindo o dom da profecia diz ter sabido ou visto que
determinada pessoa estava sendo curada, também pode acontecer da cura se dar
aos poucos, por etapas, depois de muitas seções de cura. Ressalva- se dizer que
a imposição das mãos também é usada de inúmeras maneiras com a finalidade de
cura em muitas organizações religiosas e há muito tempo como cita Frazer em O ramo de ouro.
Como metodologia utilizada, trabalharemos com análise, observação
participante, entrevistas, informantes, além de utilizarmos a bibliografia
produzida pelo movimento.
Procuramos trabalhar a questão do mito por nos parecer um
ponto fundamental para a ocorrência da cura. Partindo-se do pressuposto de que
mito é uma história de influência na vida da sociedade na qual determinado mito
está inserido, ao relacionarmos mito e cura, estamos procurando construir os
paralelos existentes entre o fenômeno da cura que pensamos ocorrer em um nível
físico e toda a estruturação mental consciente e inconsciente que dão
veracidade para esse fenômeno. Levi-Strauss coloca que: “a cura xamanística e a
cura psicanalítica tornar-se-iam rigorosamente semelhantes, tratar-se-ia em
ambos os casos de induzir uma transformação orgânica, que se constituiria
essencialmente numa reorganização estrutural, que conduzisse o doente a viver
intensamente um mito, ora recebido, ora produzido, e cuja estrutura seria, no
nível do psiquismo inconsciente, análoga àquela da qual se quereria determinar
a formação no nível do corpo.” Vemos aqui, uma distinção importante, onde
mitologia individual e coletiva são diferenciadas. Apesar de fazer interessante
analogia, Levi-strauss não responde uma questão que é para nós de suma
importância: a questão de uma maneira pretensiosa e genérica é: como um mito
produzido individualmente ou
coletivamente se faz real para o indivíduo ? Ou seja, como nas palavras de são
João no início de seu evangelho: como “o verbo se fez carne”? Por mais
pretensiosa que pareça, essa questão vem tendo muitas respostas das mais
diversas áreas do conhecimento, mas todas até agora deixaram por desejar, como
por exemplo a Neurofisiolofia que tenta responder essas questões integrando o
sistema Imune, Endócrino e Límbico. Os fatores que estão envolvidos são muitos
e ainda não puderam ser analisados de modo eficaz devido a complexidade que
existe em se tentar apreender a totalidade de qualquer fenômeno dentro do
paradigma científico que estamos acostumados a pensar.
Levi-Strauss também coloca que: “_e talvez já, em certos
países_ o valor do sistema deixará de ser fundado em curas reais, as quais
beneficiarão indivíduos particulares, mas sobre o sentimento de segurança
trazido ao grupo pelo mito que fundamenta a cura, e o sistema popular em
conformidade com o qual, sobre esta base, seu universo se encontrará
reconstruído”. Baseando-nos nessas colocações perguntamo-nos onde se daria esse
encontro mente-corpo? E se essa divisão existe realmente. E at~e onde indivíduo
e grupo se confundiriam?
Paulo César Alves não discordando de Strauss, mas
colocando-se do ponto de vista médico nos diz que: “As crenças e valores
médicos constituem respostas socialmente organizadas para a doença. Refletem o
complexo interativo entre grupo sociais, instituições, padrões de relacionamento
e um corpo específico de conhecimento.” O que nos faz levantar a hipótese de
que a medicina tradicional como nós conhecemos não deixa de ser um mito do
nosso tempo, já que temos seus pressupostos como reais e deles advém uma gama
infindável de logicidades que se tornaram verdades para nós. Não podemos nos
esquecer que só adquirimos doenças que conhecemos ou que nosso grupo tem saber
produzido sobre tal.
Portanto perguntamos: as histórias que nos são contadas e que não duvidamos de
sua autenticidade e que fazem com que consigamos interagir dentro de uma
sociedade qualquer, são míticas?
Quando pensamos nessas histórias, vemos ser a palavra um
veículo, poderíamos até falar do poder da crença no discurso, o que faria com
que pensassemos melhor na “crença”. Só não podemos deixar de pensar que
palavras são significantes que trazem significados impressos e que a crença
“crê” nesses significados que aprendemos desde a tenra idade e que fazem
sentido e acreditamos ser reais. Quais mitos nós estaríamos nos valendo nesse
exato momento para levantar tais questões? Uma outra história que nos conta
Levi-Strauss vai tratar disso. É sobre
uma autobiografia indígena, recolhida de um povo da região de Vancouver, no
Canadá, os Kwakiutl, que fala de um tal Quesalid, que se propôs a desmascarar
os feiticeiros(xamãs) de seu povo por profunda convicção de que feitiçaria era
puro charlatanismo, infiltrou-se nas escolas de feitiçaria e quando já estava
iniciado e pronto para atuar foi chamado a resolver um caso de um garoto que
tinha sonhado com ele como seu salvador, se valendo das artimanhas aprendidas e
pronto a desmascarar todo o sistema, Quesalid utiliza-se das técnicas que
aprende e que segundo ele iludia as pessoas, só que para seu grande espanto, no
momento que foi utilizado, tal técnica
produziu o efeito desejado e o doente se curou.
Desculpamo-nos pela impossibilidade de lhes trazer nesse momento respostas para as perguntas que foram aqui levantadas, esperamos num momento seguinte podermos dar nossa contribuição para esse assunto que temos grande apreço.