Percepções sobre a Diversidade Islâmica
Leandro
Moreira
Mestrando em Sociologia
USP Universidade de São Paulo
Resumo: Este texto tem como objetivo introduzir a nossa
reflexão em alguns dos mais variados e complexos aspectos da relação do Islã
com o Ocidente Moderno. Porém, devido à complexidade do mesmo, o tema aqui
proposto não se esgota. Pelo contrário, propõe refletir sobre os assuntos
internos e externos do Islã na questão do ressurgimento religioso.
Assim, os temas: crescimento religioso e o fundamentalismo serão abordados como questões fundamentais para a interpretação dos problemas entre o Islã e o seu diálogo com o Ocidente Moderno.
Percepções sobre a
Diversidade Islâmica
Islã: Diversidade e crescimento religioso
O Islã surgido na Península Arábica, ultrapassou os limites árabes há muito tempo e atualmente existem muçulmanos em várias partes do mundo. Segundo os dados mais atuais da agência internacional (Word Factbook,1999), as maiores adesões muçulmanas não estão em países árabes como por exemplo: a Indonésia com 216.108.345 adeptos (88,0% da população total), o Paquistão com 138.123.359 adeptos (97,0% da população total) e também Bangladesch com 127.117.967 adeptos (88,3% da população total). Esses países são exemplos da grande família muçulmana e representam aquilo que Peter Berger (2001) um dia chamou de “a explosão islâmica” para caracterizar a religião que mais cresce no mundo. Os adeptos do Islã compõem a 2a maior religião do globo com cerca de 1,3 bilhão de adeptos (Folha de São Paulo, 26/12/1999). Essa religião que é cada vez menos árabe e menos ligada ao Oriente Médio têm no fenômeno da globalização as mais variadas formas de diálogo com o Ocidente Moderno, devido as suas diferentes culturas e diferentes formas de comportamento religioso.
Os muçulmanos
constituem uma grande maioria em quase 50 países e uma minoria em vários outros
(Vicenzi, 2001). No entanto, segundo afirmam (Lewis,1990) e (Huntington,1997),
as inúmeras nacionalidades, culturas e línguas indicam que o Islã não está
ligado à uma única civilização, um único Islã. Pelo contrário, é justamente
nesta atual diversidade cultural que a religião está sedimentada, unida apenas
pelos textos sagrados do Corão, das Sunas (condutas) do Profeta e certas
práticas religiosas. O fato do Islã surgir entre os árabes e com esses povos
ter inicialmente promovido uma expansão conquistadora (Hourani, 1994),
contribuiu para a idéia equivocada de que o mundo muçulmano é composto em sua
maioria por árabes, turcos e também iranianos (Vicenzi, 2001).Vale lembrar que
o papel da mídia na ampliação desse equívoco teve e têm ainda um aspecto
fundamental.
O Islã também
tem crescido significativamente no Ocidente. Em várias partes da Europa já é a
2a maior religião em número de adeptos (31.401.000 / 1998) e a 3a
nos Estados Unidos (4.349.000 / 1998). Na América Latina em 2000, os muçulmanos
totalizaram 1.624.000 adeptos sendo o Brasil, o país que mais apresenta adeptos
do Islã com aproximadamente 1.500.000 (Folha
de São Paulo, 13/11/2001).
Já na África, os
muçulmanos somam 315.000.000 para uma população total de 778.484.000 africanos.
Na Oceania, somam 248.000 para uma população total de 29.460.000. Mas é na Ásia
que á população muçulmana é disparadamente maior com 812.000.000 adeptos para
uma população total de 3.588.877.000 (W.Factbook/1999).
É importante
ressaltar também a grande divisão religiosa dentro do Islã: 83% são sunitas,
16% são xiítas e 1% pertencem a outras correntes menores como as seitas. Algumas
delas são os Cariditas, Ibaditas,
Drusos, Ismaelitas entre outras
(Massoulié, 1996).
A partir destas
informações estatísticas sobre o número de adeptos muçulmanos no mundo,
resultante de uma grande expansão religiosa para além de sua área tradicional,
a Península Arábica, podemos apontar que as principais causas desse crescimento
religioso foram: a conversão religiosa e a elevada taxa de crescimento
vegetativo dos países islâmicos subdesenvolvidos. Enquanto a média mundial da
década de 1990 era de 15.7 por 1000, a média dos 46 países de maioria muçulmana
era de 24.7 por 1000 (W.Factbook,1999).
Segundo Esposito
(1994), as populações dos países muçulmanos no século XIX e início do século XX
cresceram devagar, pois as altas taxas de natalidade foram equilibradas com as
altas taxas de natalidade. A partir da II Guerra Mundial, as taxas de
natalidade começaram a cair tímida e gradualmente e as altas taxas de
mortalidade também, apesar de continuarem acima da média conforme os dados do
Programa de Desenvolvimento da ONU.
Fatores combinados contribuíram para a diminuição das taxas de mortalidade e aumento das taxas de natalidade nos países subdesenvolvidos de maioria muçulmana. O avanço em programas de saúde e alfabetização colaboraram diretamente para a melhoria da qualidade de vida desses países mais pobres. O resultado positivo disso, o crescimento vegetativo, refletiu incisivamente no crescimento do número de adeptos da religião.
Sob o ponto de vista de muitos Ulemás (teólogos islâmicos) contemporâneos, o planejamento familiar é admissível religiosamente. Essa questão é discutida na fiqh (jurisprudência) sobre o casamento e família dos muçulmanos. Por outro lado, na interpretação de outros Ulemás, geralmente com menor formação educacional, o planejamento familiar não é permitido religiosamente, pois está baseado na afirmação do Hadith (tradição) que diz: “Casem, tenham filhos e multipliquem-se que Eu estarei orgulhoso de vocês no dia do julgamento” (Esposito, 1995 a).
Entretanto, diversos
Ulemás e vários outros islamistas são contra as formas de planejamento
familiar. O impacto de idéias modernas produzidas e bem mais aceitas no mundo
ocidental como: a contracepção, as atividades sexuais pré-marital, o divórcio e
também o aborto provocam nas lideranças religiosas islâmicas um profundo
mal-estar sob tudo aquilo que altera a natureza das coisas criadas por Deus
naturalmente e que são condenadas pelo Alcorão.
Assim, em vários
países de maioria islâmica, principalmente os mais pobres, a possibilidade de
evitar a pobreza ou mesmo a mortalidade infantil, teria que passar
necessariamente pelo aval das autoridades religiosas islâmicas que coordenam
vilas, bairros e cidades com base em preceitos da tradição religiosa. O
resultado negativo disso seria então a dificuldade de implementação de medidas
ocidentais modernas para mitigar os problemas estruturais de saúde e até mesmo
de educação. Tal fato demonstra, que o “choque de valores” entre o Islã e o
Ocidente (aqui entendido como a possibilidade desses países subdesenvolvidos de
maioria islâmica aceitarem técnicas de eficácia médica ocidental moderna para o
bem estar de sua população) também contribui para a formação de barreiras em
áreas essenciais para o equilíbrio e manutenção da qualidade de vida nas
comunidades islâmicas.
Embora alguns
países muçulmanos tenham recursos econômicos suficientes para suportar um
crescimento populacional que ofereça sempre um avanço no índice da qualidade
vida, várias outras nações não apresentam tais possibilidades, menos ainda na
questão de um diálogo útil e eficaz entre conhecimentos produzidos do mundo
ocidental para aumentar a expectativa de vida do povo do Islã, bem como sua
projeção como nação maior num mundo cada vez globalizado.
Portanto, o
aumento demográfico do Islã no mundo requer também e necessariamente uma
análise mais detalhada, casual e sistemática para dentro desse problema
estrutural interno apresentado. Todavia, o crescimento religioso do Islã nos
países pobres e subdesenvolvidos apesar de suas conquistas em áreas essenciais
para a vida, não corresponde a um avanço sócio-econômico geral. Mas ao
contrário, conforme afirmam alguns outros analistas, as várias enfermidades
sociais desses países como: a miséria, a subnutrição, o analfabetismo, o
desemprego juvenil estrutural, entre outros, podem promover como promoveram
muito mais o surgimento de grupos radicais decorrentes de uma conjuntura
desfavorável, manifestada pela luta
contra a manutenção do poder de suas elites que colaboram para as mazelas
sociais do país (Esposito,1995a). Essa luta por reconhecimento, cuja ação
violenta é desempenhada por parte de alguns grupos extremistas radicais
consistiria então numa rejeição a sua posição subordinada, seja em termos de
renda, de status, poder ou recursos, muito mais do que o medo do avanço do
Ocidente secular (Mariz, 2001).
Como já dissemos
anteriormente neste texto, é dentro deste panorama multifacetado e complexo,
sobretudo na diversidade da explosão islâmica que surgem e se desenvolvem
organizações, correntes de pensamentos e certos grupos fundamentalistas. Para
alguns desses grupos mais radicais que se opõem a um diálogo com o Ocidente
Moderno, a reafirmação do Islã seria a única alternativa mais coerente para a
solução dos problemas das sociedades muçulmanas. (Vicenzi, 2001).
Porém, a origem
desses esforços de islamização ou ressurgimento islâmico (Berger, 2001), ou
ainda nesse cenário de crescimento da religião no mundo, dissolve-se também a
idéia de um movimento único, absolutamente radical e solidário a formação de uma
internacional islâmica anti-ocidental.
O Islã que
cresce numéricamente, não representa uma ameaça direta ao Ocidente secular, mas
sim uma diversidade de povos e culturas que através de suas mais variadas
expressões demonstram qual o nível de diálogo que têm com o Ocidente. Por isso Berger (2001) em seu ensaio sobre a
“ dessecularização do mundo: uma visão global”, aponta que a questão da
ressurgência religiosa do Islã nas questões mundiais deve ser analisada e entendida
caso a caso, jamais em sua totalidade.
Criado inicialmente para designar um movimento protestante nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século XX, a denominação “ fundamentalista” hoje tem um caráter pejorativo e confuso na mídia e no senso comum.
Segundo Pierucci (2001), fundamentalista é todo aquele
religioso que ergue no centro de sua fé a literalidade de um texto sagrado,
revelado por um Deus Pessoal e único. Dessa forma, todo fundamentalista pauta a
sua crença na narração de um fato, numa escritura divina capaz de oferecer aos
seus adeptos orientações seguras para aqueles que queiram seguir bem os
fundamentos.
Longe dos homens ofensivos ditos pela mídia para designar
o radicalismo dos movimentos islâmicos atuais, os grupos fundamentalistas
islâmicos são ao mesmo tempo religiosos e políticos. Pierucci esclarece melhor
essa questão: “Partidários ao retorno ao
texto do Corão, pretendem beber nessa divina fonte os referenciais religiosos,
sociais, jurídicos e políticos para reavivar e reviver o “Islã como cultura
total”. Todos eles convergem na concepção de que a conquista do poder político
é uma ferramenta indispensável para a implantação deste verdadeiro Islã, o Islã
total (Pierucci, 2001,p.38)”.
Mas se
encontramos confusões terminológicas na mídia a respeito do termo
fundamentalista, também percebemos a dificuldade de esclarecimento por parte
dos meios de comunicação em expor cada um dos ramos do radicalismo islâmico
espalhados pelo mundo. Sobre esse aspecto Pierucci é enfático: “São bem diversas entre si as ramificações
das também diversas linhagens religiosas, diversos os movimentos
institucionalizados e as lideranças, diversos os seus centros irradiadores, as
organizações políticas e os partidos (legalizados ou ilegais) atuantes nos
diferentes países do mundo islâmico. O radicalismo islâmico, já aprendemos em
vinte anos de freqüência ao noticiário internacional, além de múltiplo é polimorfo
(Pierucci, 2000,p.183)”.
Porém nem todos os movimentos criados por fundamentalistas islâmicos foram violentos. A Irmandade Muçulmana do Egito quando surgiu se ocupava em grande medida em prestar serviços à população em geral. Mas as várias facções que disputam o poder hoje em países islâmicos no Oriente Médio, têm em comum o uso da violência, como uma formula religiosamente aceita para atingir os seus objetivos. Alguns deles são: a Al Fatah, ligada à OLP (Organização para a libertação da Palestina). Esta foi fundada nos anos 50 pelo líder da autoridade Palestina Yasser Arafat. O Al Fatah foi o primeiro grupo a fazer ataques contra Israel e a negociar sem o uso da violência. Outro grupo bem conhecido é o Hamas. Trata-se de uma das organizações mais radicais no combate ao Estado de Israel. Criado em 1987, o Hamas (Resistência Islâmica) é bastante conhecido pelo seu verdadeiro exército de “homens bomba”, uma de suas principais armas de ações terroristas. Existe também o grupo radical Hezbollah, cuja tradução significa Partido de Deus. Trata-se de um grupo paramilitar formado nos anos 80, quando da invasão do Líbano por Israel. O Jihad, grupo também muito violento formado por estudantes no Egito tem atuação na faixa de Gaza. É responsável pelo assassinato do presidente do Egito, Anuar Sadat em 1981, que apoiava Israel. Outras formações recentes de grupos radicais islâmicos são o PKK do Curdistão, o Taleban do Afeganistão e a Al Qaeda, organização fundada pelo terrorista saudita Osama bin Laden.
Segundo
Armstrong (2001), um importante indicador de violência dos radicais islâmicos
seria o acelerado processo de secularização que ocorre no Oriente Médio, que é
compreendido apenas e de alguma forma pelas elites muçulmanas. Assim, a grande
maioria da população acaba não entendendo o que se passa. Os fundamentalistas
islâmicos, seja por apropriação de suas terras e territórios sagrados, seja por
acreditar que a sociedade moderna, secular e liberal vai acabar com a religião,
procuram manifestar a sua aversão através da violência. Tal violência,
interpretada também como um “choque de valores” entre culturas também pode ser
vista como um apelo político-religioso na luta anti-laicização de grupos
radicais do mundo muçulmano. Então, não só os Estados seculares devem ser alvos
de violência islâmica mas também os elementos da “Modernidade” em suas
múltiplas esferas quando articuladas em território islâmico. Portanto, como
solução e justificativas religiosas baseadas no Corão, os muçulmanos
fundamentalistas entendem que o inimigo deve ser destruído em nome de Deus, se
necessário.
Peter Berger
(2001), não descarta a afirmação de que a relação entre religião e a
modernidade é muito complicada. Por isso ele reconhece a necessidade de
análises mais detalhadas sobre o papel da religião nos assuntos mundiais ao
invés de extremas generalizações.
No caso do Islã, por exemplo, Berger expõe também as diferenças
no interior do movimento. Ele diz: “O
ressurgimento islâmico não se limita aos setores menos modernizados ou
“atrasados” da sociedade, como os intelectuais progressistas ainda gostam de
pensar. Pelo contrário, é muito forte em cidades com um alto grau de
modernização, e em alguns países é particularmente visível em pessoas com
educação superior de modelo ocidental. No Egito e na Turquia, por exemplo
muitos filhos de profissionais secularizados usam o véu e outros parâmetros
para o relato islâmico (Berger, 2001,p.14)”.
Berger (2001),
também aponta que nessa relação entre a religião islâmica e o mundo ocidental
moderno existem outros movimentos islâmicos diferentes dos já conhecidos
fundamentalistas. São movimentos a favor da democracia e do pluralismo,
exatamente o oposto do fundamentalismo islâmico.
A indonésia, é um bom exemplo disso. Neste país, que
comporta a maior população islâmica do mundo (cerca de 90% da população) com
quase 230 milhões de habitantes, não quer com aprovação populacional majoritária
implementar um Estado não laico (Sidel, 2001).
John Sidel, pesquisador de políticas do sudeste asiático
em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo de 23 de setembro de 2001
declara que a Indonésia é um país que apresenta o tipo de Islã mais aberto ao
contato com outras religiões e que o extremismo islâmico é bastante isolado
pelo aparato governamental. Assim, conforme suas afirmações a grande parte da
população da Indonésia convive bem melhor com os valores da modernidade numa
espécie de “aggionarmento islâmico” apreciando um diálogo mais aceitável e
pacífico entre os preceitos islâmicos e os valores do mundo moderno.
Como Berger (2001) mesmo salienta, quando as
circunstâncias políticas o permitem o diálogo entre o Islã e a Modernidade,
sobretudo nas suas divergências aparece de forma positiva.
É difícil dizer com precisão, qual o nível de diálogo que
as várias faces do mundo islâmico tentam estabelecer com a cultural ocidental.
Porém é certo afirmar que o termo “globalização” já entrou para os
dicionários árabes demonstrando uma certa disposição sobre o assunto nas
sociedades islâmicas. (Folha de São Paulo, 26/12/1999).
Também, o que parece chamar a atenção de alguns especialistas como Edward Said (1997), Shireen Hunter (1998) e Leon Hadar (1992) na questão do “choque entre civilizações” é que esses mesmos autores apontam uma espécie de luta global entre política-econômica e religião e não especificamente entre Ocidente secular e o mundo do Islã.
Para Hunter (1998), seria a influência política e
econômica dos países ocidentais sobre a política interna dos países muçulmanos
que estariam prejudicando um melhor diálogo com o Ocidente. As visões
anti-ocidentais seriam mais uma reação a esses desequilíbrios internos e
externos da política econômica islâmica bem como suas desigualdades sociais.
Mais do que isso, seria portanto, a força hegemônica ocidental que forneceria o
suporte para a perpetuação das elites no poder excluindo vários segmentos da
população do poder. Sobre esse aspecto afirma Said: “Israel, apoiado pelos Estados Unidos, ocupou territórios árabes em
quatro países, é uma potência nuclear regional que despreza seus vizinhos,
trata de modo discriminatório os palestinos, sobrepõe os interesses de quatro
milhões de israelenses aos interesses de duzentos milhões de árabes muçulmanos,
assassina mais muçulmanos do que o inverso, desapropria e desafia a lei
internacional anexando o Leste de Jerusalém e as Colunas de Golã ( Said, 1997,
p.43)”.
Muçulmanos
também atacam israelenses e ocidentais, não nega o autor, porém todo o peso do
terror é direcionado aos corações e mentes do Islã (Said, 1997). Berger (2001)
também não nega que os conflitos entre o Islã e o Ocidente Moderno estejam
marcados por elementos religiosos profundamente enraizados no âmago da tradição
islâmica, independente desta não estar relacionada diretamente com as
influências econômicas e políticas ocidentais. Mais do que isso, Berger (2001)
acredita que os movimentos islâmicos que tem tido dificuldades em conciliar-se
com as instituições modernas centrais terão dificuldades em conservar sua
postura atual em relação à Modernidade, caso consigam assumir o governo de seu
país.
Portanto, para os vários países de maioria islâmica,
pode-se pensar que a medida que estes se modernizam, poderia também ocorrer uma
intensificação do sentimento de preservação da cultura local revitalizando
assim as tradições e o fundamentalismo.
Mohamed Khatami, atual presidente do Irã defende um
diálogo entre civilizações não o seu
contrário. Ele diz: “Temos de nos
adaptar, sem temor à globalização das idéias e das informações se não quisermos
vergar sob o peso do terceiro milênio cristão, que precisamos aceitar sem
perdes nossos valores ( Entrevista publicada no Jornal Folha de São Paulo de 23/09/2001, p.A10)”.
Para esse líder
iraniano, autor do livro “Islã, diálogo e Sociedade Civil”, a resistência
acirrada dos conservadores do Irã ainda imbuídos de valores tradicionais a
exemplo de Khomeini não estaria repercutindo negativamente nos últimos anos
para que o Irã consiga melhorar as relações com os EUA (Farah, Jornal Folha de São Paulo de
23/09/2001). Dessa forma, como queremos apontar nesta comunicação, o desafio
representado pelo modo de vida ocidental moderno provoca as mais diversas
reações por parte dos países islâmicos.
Desde a confusão terminológica que surgiu quando o regime
laico e ocidentalizante do Xá Reza Pahlevi sofreu uma queda pela revolução
iraniana em 1979 (Pierucci, 2000), até a conquista de Cabul em 1996 pelo
Taleban impondo a Sharia (código da conduta islâmica) ocorreram as mais
diversas formas de reação e diálogo do movimento islamista para com o Ocidente.
Segundo Pierucci (2000), há nesses movimentos
político religiosos islâmicos, uma bifrontalidade em relação à mudança e a
modernização. Isso ocorre devido à “modernização” dos países de cultura
islâmica entenderem que modernização é sinônimo de “ocidentalização”, o que
confere a modernidade o signo do inimigo estrangeiro. Sobre esse aspecto afirma
Pierucci: “Se há fundamentalismo na idéia
de que é necessário um retorno absoluto necessário e estrito à escritura, esta
volta às fontes escritas, por sua vez, pode fundamentar críticas ao status quo
que subvertam a ordem, solapem tradições não originárias e alimentem propostas
de renovação mais ou menos radicais. (...)
Assim, sendo o inimigo do fundamentalismo não é apenas a modernidade,
mas pode ser, também e mais ainda a tradição (Pierucci, 2000, p.197)”.
Para tanto, que
o fundamentalismo islâmico em algumas repúblicas teocráticas é visto como
“dessecularizado” na literatura sociológica (Pierucci, 1998).
E a intolerância e o fundametalismo tornam-se opções
para os muçulmanos, na luta contra o secularismo. Mas essa luta, como já
dissemos anteriormente não passa apenas contra o impacto corrosivo do
capitalismo global e do modo de vida ocidental moderno (Zizek, 2001), mas
também contra os regimes
“tradicionalistas” da Arábia
Saudita, Iraque, Kuwait, Líbia etc.. Dessa forma, nossa atenção além de estar
orientada não apenas para o “Choque de Civilizações” como aponta Samuel
Hungtinton (1994), está também direcionada para o choque de interesses
econômicos e geopolíticos dos países desenvolvidos com as monarquias
conservadoras do Oriente Médio detentoras de grandes reservas de petróleo. Sobre essa questão afirma o filósofo
Slavoj Zizek: “Eles (países muçulmanos do
Oriente Médio) devem continuar não-democráticos, a idéia subjacente, é claro, é
que o despertar democrático pode dar origem a atitudes anti-americanas (Depoimento
publicado no Caderno Mais do Jornal Folha de São Paulo de 11/11/2001, p.12)”.
Diante de tais questões, poderíamos nos perguntar se
estamos mais num campo de análise da ressurgência religiosa ou de movimentos
políticos que utilizam a religião como uma legitimação conveniente de
interesses não religiosos conforme sugere Berger (2001)?. Muitas vezes é
difícil dizer. Mas para avaliar o papel da religião na política internacional,
teríamos que necessariamente distinguir os movimentos políticos autenticamente
inspirados pela religião daqueles que usam a religião como subterfúgio da dominação,
exploração e violência. No caso do Islã por exemplo, a violência imposta e
gratuita não estaria na narrativa corânica. A violência está sim posta no Corão
para àqueles que não acolhem a revelação de Alah, a qual afirma que Ele é um
Deus único e quer ser adorado como tal (Bingemer, 2001). Porém, toda a
violência ou morte contra os “infiéis”, exposta no Corão não deve ser deslocada
de um contexto histórico dos povos árabes, datando-se nos acontecimentos do
século VII, especificamente do surgimento da religião islâmica na Arábia
Saudita. O comentário de Bingemer é bem interessante sobre a temática entre
violência e religião. A autora afirma: “Assim,
com margem num fundamentalismo sem medidas, muitas das seitas que surgirão à
partir do islamismo primitivo, coadunadas a sistemas políticos que visam a
manutenção do status quo de dominação e exploração se agarrarão a essas
passagens do Corão a fim de nelas buscar o elemento instrumental, a violência
gratuita, pela qual tendem a expandir uma “dita islâmica”, mas que na verdade,
se distância por demais da intuição primeira de Maomé e de seus primeiros
seguidores (Publicado no Jornal da USP de 5/11/2001, p.7)”.
Portanto, voltamos sempre para àquela afirmação de que o
Islã por ser múltiplo e polimorfo (Pierucci, 2000), apresenta dentro de sua
diversidade as mais variadas formas de diálogo com o Ocidente moderno.
Sem dúvida há muitos países muçulmanos com uma forte
aversão à política externa americana, como há também uma forte influência
política e econômica dos países desenvolvidos em relação as monarquias
islâmicas importantes e detentoras de riquezas naturais. Portanto, faz-se necessário
uma devida atenção para a análise de toda a complexidade e heterogeneidade do
universo islâmico, levando-se sempre em consideração os fatores internos e
externos da nação-Estado muçulmana em que se propõe singularmente investigar.
Os países islâmicos verificados assim em suas dimensões
internas e também em suas especificidades como: a dificuldades de resolução de
problemas, como a baixa qualidade de vida e de recursos para grande maioria da
população ou mesmo na incorporação de técnicas e noções modernas para o combate
a doenças estruturais, apontam qual o nível de um diálogo possível e positivo entre
o Islã e o Ocidente.
É importante ressaltar também que os países de maioria
muçulmana ainda não tiveram tempo ou desejo para criar um tipo de democracia
ideal própria, moldando as suas condutas em diferentes percepções como nos
direitos civis modernos e ocidentais.
Do lado ocidental, o próprio fundamentalismo é visto como um fenômeno complexo, de difícil tradução como diria Berger (2001). Mas a luz da compreensão salta a tona quando ele próprio afirma: “Para entender o papel da religião nos assuntos mundiais não há alternativa senão um abordagem pontual verificada caso a caso (Berger, 2001,p.23)”.
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