A emergência da pluralidade religiosa

Paulo D. Siepierski*

Quando comparamos aquele Brasil do início do século com este do final do século dificilmente reconhecemos o mesmo país, a não ser pela língua e pelo território. Observando apenas algumas das mais visíveis mudanças, notamos rapidamente que a população cresceu sobremaneira, o país urbanizou-se e industrializou-se, as desigualdades regionais e sociais se acentuaram. Igualmente salta aos olhos a emergência de uma pluralidade religiosa. A rigor, o Brasil sempre foi uma sociedade plural em termos religiosos, e tanto na colônia como no império encontramos criativas formas de relacionamento entre as diversas manifestações religiosas e o catolicismo, a religião oficial, sendo esta ela mesma bastante heterogênea. Não obstante a realidade dessa diversidade, até a Constituição de 1891 a Igreja Católica deteve o monopólio religioso no país.

Paralelamente à flexibilização jurídica, a rápida urbanização, a industrialização e a racionalização da agricultura de exportação provocaram profundas modificações nas formas tradicionais de relacionamento social produzindo um ambiente propício para a emergência de uma pluralidade religiosa. Incapaz de atender a demanda religiosa em um mercado mais competitivo, a Igreja Católica assistiu em meados deste século a ascensão de diversos concorrentes, entre eles a Umbanda e o Pentecostalismo. Essas duas expressões religiosas cresceram exponencialmente, principalmente nas décadas de 50 e 60. A partir da década de 70, entretanto, quando a urbanização já estava consolidada e o setor terciário começava a superar o secundário, um segmento do pentecostalismo experienciou uma metamorfose para se adaptar as novas exigências do mercado religioso e se estabelecer como o grande vencedor no atendimento à demanda religiosa.

Com a irrupção desse pós-pentecostalismo no mosaico religioso brasileiro a Igreja Católica, que já havia perdido o monopólio religioso, perde agora a hegemonia religiosa. Pela primeira vez é concedida à imensa maioria dos brasileiros, rurais e urbanos, de todas as classes sociais, a oportunidade de abraçarem outra que não a fé católica. E, caso o pós-pentecostalismo mantenha seu crescimento exponencial nas décadas vindouras, no próximo século o catolicismo será minoritário no Brasil. Atualmente, contudo, a cultura brasileira, em termos gerais, permanece católica e a Igreja Católica continua, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a ser a interlocutora religiosa mais privilegiada na arena política, mas a pluralidade religiosa está seguramente consolidada no Brasil neste final de século.

As origens do pentecostalismo brasileiro

O pentecostalismo chegou ao Brasil trazido por operários imigrantes. Primeiro em 1910 por meio do italiano Luigi Francescon, fundador da Congregação Cristã no Brasil, e logo em seguida em 1911 por meio dos suecos Adolf Gunnar Vingren e Daniel Berg, precursores da Assembléia de Deus. Francescon havia emigrado para os Estados Unidos e fixado-se em Chicago. Lá abandonara o catolicismo tornando-se presbiteriano e posteriormente pentecostal. Vingren e Berg também haviam emigrado para os Estados Unidos e igualmente haviam se fixado na região de Chicago e lá também se unido ao movimento pentecostal. Diferentemente de Francescon, porém, eles haviam sido batistas antes de se pentecostalizarem.

O surgimento do pentecostalismo nos Estados Unidos é um fenômeno muito complexo e não é nosso objetivo discuti-lo aqui. Contudo, para uma melhor compreensão do pentecostalismo que chegou ao Brasil, é necessário uma rápida exposição de suas principais ênfases. Também, tendo em vista que tanto Francescon como Vingren e Berg se pentecostalizaram na região de Chicago, algumas informações sobre o pentecostalismo do centro-oeste americano são fundamentais.

Talvez a melhor síntese das principais ênfases do pentecostalismo esteja expressa no moto da Igreja do Evangelho Quadrangular: Jesus salva, batiza com o Espírito Santo, cura e voltará. A declaração que Jesus salva sempre esteve presente na história do cristianismo, mas sua reafirmação era necessária diante do contexto fortemente racionalista do século dezenove. Já as outras três declarações se desenvolveram lentamente em diferentes ambientes e por volta da virada do século se amalgamaram para formar o cerne do pentecostalismo.

A doutrina do batismo do Espírito Santo tem sua raiz no movimento de santificação dentro do metodismo, o qual estabeleceu normas de comportamento e de conduta para a busca da perfeição cristã. Na ocasião dos reavivamentos na segunda metade do século passado a perfeição cristã, ou total santificação, passou a ser vista como o batismo do Espírito Santo para o testemunho e serviço, uma experiência distinta da conversão.

A doutrina da cura divina na era moderna tem suas raízes nas formas mais radicalizadas do pietismo, mas encontrou sua popularização na segunda metade do século dezenove, ao entrar em contato com os ensinos sobre perfeição cristã do movimento de santificação. Entre seus principais arautos encontramos A. B. Simpson, o presbiteriano fundador da Aliança Cristã e Missionária, que reuniu alguns textos em 1885 intitulando-os "The Gospel of Healing", e John Alexander Dowie, um australiano que havia emigrado para os Estados Unidos em 1888 e fundado a Associação Internacional de Cura Divina em 1890.

Historicamente, pneumatologia (doutrina do Espírito Santo) e escatologia (doutrina das últimas coisas) sempre estiveram vinculadas. O montanismo (movimento milenista iniciado no segundo século na Ásia Menor) e o movimento de Joaquim de Fiore (1135-1202) são apenas dois exemplos entre muitos. O pentecostalismo não fugiu à regra. A escatologia dominante no século dezenove era o pós-milenismo, mas essa opção tornou-se inaceitável para muitos a partir da segunda metade do século, quando a crítica bíblica e as novas ciências, fortemente influenciadas pelo darwinismo e pelo positivismo lógico, começaram a questionar os ensinos tradicionais da Bíblia, especialmente aqueles sobre as origens humanas. Isso, juntamente com a instabilidade social provocada pela urbanização e pela industrialização, fez reverter a noção que a humanidade estava progredindo. Com o colapso da noção do progresso humano, muitos se voltaram para o pré-milenismo, cuja idéia central é a iminência da volta de Cristo para a instalação de seu reino milenar. Entre os mais desiludidos com o contexto social e cultural dos Estados Unidos do período estavam os seguidores do movimento de santificação, que como vimos, está nas origens do pentecostalismo. Por isso é que a escatologia pentecostal veio a ser "em geral pré-milenista ao aguardar um reino milenar a ser inaugurado pelo retorno iminente de Cristo".

A confluência das doutrinas do batismo do Espírito Santo, da cura divina e do pré-milenismo por si só não deu surgimento ao pentecostalismo. Era necessária uma chama para fundir essas doutrinas em um corpo doutrinário único. O pentecostalismo encontrou essa chama no "falar em línguas", que veio a tornar-se a marca distintiva do movimento, não obstante o "falar em línguas" ser um fenômeno conhecido na história do cristianismo e mesmo em outras religiões. Por causa do "falar em línguas" os historiadores do pentecostalismo tendem a considerar a ocorrência do fenômeno em Topeka na virada do século ou em Los Angeles em 1906 como o início do pentecostalismo moderno.

Aqueles que aceitam Topeka como o momento fundante do moderno movimento pentecostal apontam Charles Fox Parham como seu fundador. Foi ele quem pela primeira vez elaborou uma definição teológica do pentecostalismo que sublinhava o vínculo entre "falar em línguas" e o batismo do Espírito Santo. "Falar em línguas" seria a evidência inicial do batismo do Espírito Santo. Ademais, os principais temas da pregação pentecostal--conversão radical, santidade na vida diária, cura divina e retorno iminente de Cristo para estabelecer o reino milenar--estavam presentes na pregação de Parham.

Entretanto, para Parham o fenômeno de "falar em línguas" era xenoglassia, isto é, falar em língua estrangeira sem prévio conhecimento da mesma, e não glossolalia, ou seja, falar em língua desconhecida. Na verdade, essa distinção foi uma das razões do rompimento de Parham com seu mais famoso discípulo, o pregador negro William Joseph Seymour, líder do reavivamento pentecostal iniciado em 1906 em Los Angeles e conhecido como Azusa Street Revival.

Essa distinção entre xenoglassia e glossolalia no início do pentecostalismo é importante por pelo menos três implicações. Em primeiro lugar, Goff nos informa que no estado de Kansas, onde Parham tinha seu ministério, por volta de 1910 mais de vinte por cento dos adultos nascidos no exterior não falavam inglês, e esse percentual era maior ainda para outros estados do centro-oeste. Na região de Chicago, que havia recebido proporcionalmente mais estrangeiros, certamente esse percentual era muito maior. Para esses imigrantes que não podiam se comunicar na língua oficial, a xenoglassia representava ao mesmo tempo a negação da língua oficial e a legitimação da língua estrangeira. O pentecostalismo propiciou ao imigrante, portanto, um canal de expressão de sua revolta para com o mundo que, não satisfeito em tê-lo expulso de sua pátria, transformado seus usos e costumes, espoliado seu trabalho, insistia em roubar-lhe a língua, o último instrumento com o qual ele poderia reconhecer-se a si mesmo. No dom de línguas os imigrantes descobriram, como Fernando Pessoa, que a língua é a pátria.

Em segundo lugar, a xenoglassia era fundamental no esquema pré-milenista de Parham pois ele acreditava que nos "últimos dias" escatológicos todas as nações ouviriam a pregação do evangelho. Somente depois que o evangelho fosse pregado a todas as nações é que Cristo retornaria para instalar seu reino milenar. O dom da xenoglassia era um sinal da chegada dos últimos tempos. Sem a necessidade de aprender uma língua estrangeira, tudo o que o fiel precisava fazer era determinar em que nação se falava a língua com a qual havia sido agraciado e rumar para lá anunciar as boas novas. É verdade que, apesar da resistência de Parham, em poucos anos muitos pentecostais se tornaram céticos quanto a xenoglassia, preferindo a glossolalia, pelo menos enquanto fenômeno generalizado. Não obstante, principalmente entre imigrantes, a xenoglassia funcionou como potente alavanca missionária.

Em terceiro lugar, a xenoglassia aliada à ênfase missionária era o dínamo da esperança por dias melhores em um mundo novo. A xenoglassia era o selo do Espírito Santo para identificar aqueles que Deus havia escolhido para reinar com Cristo no milênio. Os que atendessem a convocação missionária obteriam posições de comando no governo milenista. Assim, a xenoglassia não apenas garantia ao fiel a entrada no reino vindouro, como também proporcionava a oportunidade de alcançar um posto de autoridade em sua administração.

No início do século a cidade de Chicago, que em 1833 era apenas um vilarejo com dezessete casas, já era a quinta maior cidade do mundo, recebendo anualmente milhares de imigrantes europeus. Muitos ali permaneciam, enquanto outros continuavam em direção ao oeste. O pentecostalismo encontrou um ambiente muito propício para sua expansão em Chicago, tendo em vista que esse reavivamento foi a expressão de um movimento fortemente milenista provocado pelas condições sociais altamente desfavoráveis enfrentadas pelas classes trabalhadoras espoliadas nos Estados Unidos. A expectativa milenista atraiu sobremaneira os frustrados trabalhadores americanos, entre eles milhares de imigrantes, desiludidos com o sonho americano e incapazes de transformarem efetivamente sua condição social. Os imigrantes, a quem havia sido dito que as ruas na América eram pavimentadas de ouro, logo descobriram que as ruas nem pavimentadas estavam e, pior, esperava-se que eles pavimentassem-nas. Como o ratinho Fivel, no filme de Steven Spielberg, que emigra da Europa pensando que não havia gatos na América e que as ruas eram de queijo, os imigrantes rapidamente ficaram desiludidos com o que encontraram. Aos imigrantes, frustrados com o novo mundo, só restou a esperança em um mundo novo no qual seus sofrimentos seriam aliviados. E essa esperança encontraram na pregação milenista pentecostal, que não apenas prometia o fim do sofrimento mas também participação no governo desse mundo novo.

Foi idealizando esse mundo novo que o australiano Dowie, aquele pregador da cura divina, organizou ao norte de Chicago, em 1900, a cidade de Sião (Zion City). Dowie, que ensinava que a saúde humana era a regra, sendo a falta de saúde o resultado de falta de fé no poder de Deus para a cura, também enfatizava o trabalho social em sua pregação e enviava equipes para limpar, alimentar e vestir os residentes das favelas de Chicago. Ademais, ele também advogava genuína igualdade racial, tanto para negros como para imigrantes não-anglo-saxões. Assim, é possível que sua influência sobre a primeira geração de pentecostais, principalmente na região de Chicago, tenha sido bastante forte e diversificada. A influência de Dowie sobre Parham, contudo, parece ter sido apenas no ensino sobre cura divina.

Em Chicago tanto Francescon como Vingren e Berg e também Aimee Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular, foram influenciados por William H. Durham, cuja peregrinação teológica o havia levado do meio batista para o movimento de santificação. A missão na rua Azusa em Los Angeles estava exercendo profunda força, tanto centrípeta como centrífuga, no mundo protestante. Ela funcionava como um potente imã, atraindo líderes de diversos segmentos do protestantismo desejosos de conhecerem o que estava ocorrendo ali, e como centro irradiador da mensagem pentecostal, enviando grupos para diversas localidades no país. Em agosto de 1906 um desses grupos visitou a missão Holiness em Chicago liderada por John C. Sinclair, que se pentecostalizou em novembro daquele ano e se tornou grande divulgador da nova mensagem. No início de 1907, estimulado por ele, Durham foi a Los Angeles e lá se pentecostalizou através de Seymour, aquele ex-discípulo de Parham. Nesse tempo a missão na rua Azusa ainda possuía um caráter multi-racial e multi-étnico. Retornando a Chicago Durham imprimiu esse caráter pluralista em sua igreja. Nela encontraram abrigo persas, italianos e escandinavos, entre outros, os quais, incentivados por Durham, abriram suas próprias congregações.

Uma delas foi a Congregazione Christiana, iniciada sob a liderança de Luigi Francescon, Giacomo Lombardi e Pietro Ottolini. Eles estabeleceram centenas de congregações pentecostais entre os imigrantes italianos nos Estados Unidos e depois na Itália e no Brasil. Também na igreja de Durham havia um ancião escandinavo que mantinha um periódico, Folke Vennen, através do qual a mensagem de Durham atingia as diversas congregações escandinavas do centro-oeste americano. Em uma delas Vingren e Berg, à semelhança de Francescon, receberam profecias dirigindo-os ao Brasil. Posteriormente eles foram enviados para sua tarefa missionária pelo próprio Durham. Assim, através de um italiano e dois suecos um fenômeno tipicamente norte-americano chegou ao Brasil.

Tanto a profecia recebida em South Bend, Indiana, por Vingren e Berg orientando-os para irem para "Pará" como aquela recebida por Francescon instruindo-o para ser missionário entre os italianos se encaixam perfeitamente no esquema missionário de Parham. Como vimos anteriormente, a xenoglassia funcionava como potente alavanca missionária na concepção pré-milenista de Parham. Ainda que as profecias possam ter sido proferidas em línguas estranhas (glossolalia), os elementos funcionalistas da xenoglassia estão bastante evidentes.

Freston cita um desses elementos para sugerir como a profecia selecionou "Pará". Na realidade, "Pará" era uma palavra muito conhecida na região de Chicago. Desde o aperfeiçoamento do processo de vulcanização efetuado por Charles Goodyear em 1839 a borracha havia se tornado um insumo industrial essencial. Entre 1860 e 1910 a Amazônia reinou absoluta como fornecedora de borracha para a indústria mundial--esse é também o período em que Chicago se torna o centro industrial dos Estados Unidos--e o tipo "Pará" era considerado o padrão mundial de qualidade dessa matéria-prima. No início deste século, longe de ser um local desconhecido no canto do mundo, Pará, como Belém (Santa Maria de Belém do Grão Pará) era conhecida naquela época, abrigava centenas de casas de exportação, que estavam em contato com o mundo todo. O nome "Pará" era uma constante nos centros industriais, como Chicago, principalmente em 1910, quando o governo brasileiro através da política conhecida como "valorização" forçou o preço da borracha tipo "Pará" acima de seis dólares por quilo, triplicando o preço em relação aos anos anteriores.

Em South Bend, especificamente, onde em 1910 Olof Adolf Uldin profetizou para Vingren e Berg que eles deveriam ir para "Pará", havia uma fábrica de automóveis, a Studebaker Automobile Company, que usava muita borracha oriunda do Brasil. Em Mishawaka, cidade contígua a South Bend, havia também uma grande importadora de borracha tipo "Pará", a Mishawaka Woolen Manufacturing Company, que era a maior empregadora da cidade e fabricava artefatos de borracha, como sapatos, botas, capas de chuva, pneus, etc... Como a borracha era um insumo muito caro, havia várias fábricas de reaproveitamento das sobras de borracha. Em Mishawaka havia a Rubber Regenerating Company, que começou a operar em 1909. Uma de suas competidoras, a Bloomingdale Rubber Company, da Pensilvânia, colocou no mercado em 1914 um tipo de borracha reaproveitada de pneu sólido denominado "Black Pahrah", em clara referência a qualidade da borracha tipo "Pará".

Em 1910 a borracha era um assunto importante em South Bend, como uma rápida olhada nos jornais da época revela. A Mishawaka Woolen Manufacturing Company estava desenvolvendo um novo tipo de pneu de borracha da melhor qualidade, mas corria o risco de perder a patente para A. A. Peterson. Este havia trabalhado na Goodrich Tire Company, em Akron, Ohio, e também na própria Mishawaka. Seu plano era conseguir a patente e montar sua própria indústria, mas aparentemente ele não teve sucesso. Outro assunto comum nos jornais era a disputa entre os senadores Aldrich e Bristow. Este, senador pelo Kansas, acusava o outro de ter formado a Consolidated International Rubber Company, cujos propósitos incluiam a compra e distribuição de borracha bruta, para se beneficiar de uma tarifa que o próprio Aldrich havia criado sobre o comércio da borracha, e assim dominar a oferta de borracha no mercado americano.

Fora as alusões a borracha, praticamente não há nenhuma referência ao Brasil nos jornais em 1910. A exceção fica por conta da visita aos Estados Unidos do presidente eleito Hermes da Fonseca, em agosto, e da revolução republicana em Portugal no início de outubro. Entretanto, o principal jornal sobre borracha [The India Rubber World] dedicou em 1910 uma série de artigos sobre Pará, resultado da visita do editor desse jornal, Henry C. Pearson, ao Brasil quando do Congresso Comercial, Industrial e Agrícola de Manaus. Os comentários de Pearson sobre o cotidiano no Pará [Belém] estão ilustrados com dezenas de fotos e mapas. Em seu discurso em um coquetel realizado no Hotel da Paz ele fala sobre a beleza da cidade e suas vantagens sobre as cidades norte-americanas, citando o sistema de trolley cars, a ausência de poluição e a limpeza. A julgar pelo número de cartas que o editor recebeu, seus artigos despertaram o interesse de muita gente sobre o Pará e a região amazônica.

O diretório da cidade de South Bend para o ano 1910 lista Uldin como pintor e empregado da Oliver Chilled Plow Works, uma fábrica que exportava implementos agrícolas para diversos países. Ele era membro da First Swedish Baptist Church, cujo pastor, Henry Nelson, deixou-a em junho de 1910, quando então F. A. Sandgren assumiu interinamente o pastorado. A partir desse momento o anúncio da igreja no The South Bend Tribune passou a conter a seguinte declaração: "Essas reuniões são todas segundo as linhas pentecostais". Pouco tempo depois, porém, a direção da denominação lacrou as portas do templo para impedir a realização dessas reuniões pentecostais. Assim o grupo passou a se reunir na casa de Uldin e posteriormente ajudou a fundar a First Assembly of God de Mishawaka. O templo da First Swedish Baptist Church passou, em 1921, para a Grace Zion Church e posteriormente, nos anos 70, para a Miracle Temple Church of God in Christ.

O crescimento do pentecostalismo

A Congregação Cristã tem seu início em São Paulo através de um cisma provocado por Francescon na Igreja Presbiteriana do Brás. Seu desenvolvimento se dá primordialmente entre imigrantes italianos e seus descendentes. Sua expansão geográfica segue a trilha do café que havia empregado largamente a mão de obra imigrante e que havia facilitado a penetração do presbiterianismo no interior de São Paulo e de Minas Gerais. Assim, a Congregação Cristã se tornou bastante interiorana, estabelecendo-se majoritariamente nas dinâmicas áreas cafeeiras do interior de São Paulo, do sul de Minas Gerais e do oeste do Paraná.

A Assembléia de Deus também iniciou-se através de um cisma provocado por Vingren e Berg na Igreja Batista de Belém, no Pará. Como já vimos, essa igreja era pastoreada por um sueco que havia primeiramente emigrado para os Estados Unidos, vindo de lá para o Brasil em 1897. Como Vingren e Berg não tinham nem sustento financeiro certo nem respaldo eclesiástico, este último trabalhou como fundidor para sustentar os dois. A expansão geográfica da Assembléia de Deus segue em um primeiro momento o refluxo de migrantes nordestinos desiludidos com a crise do ciclo da borracha e em um segundo momento o fluxo de migrantes nortistas e nordestinos para o sudeste do país. Dessa forma, a Assembléia de Deus, que em 1920 estava estabelecida em nove estados (três do norte e seis do nordeste), em 1930 já estava presente em praticamente todo o país (quatro estados do norte, nove do nordeste, quatro do sudeste e três do sul).

No início da década de 40 a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã possuíam cerca de cinquenta mil membros cada uma. Dez anos depois esse número praticamente havia dobrado. Mas a década de crescimento exponencial foi a de 50, principalmente para a Assembléia de Deus. Esta entrou na década de 60 com quase um milhão de membros, atingindo um milhão e quatrocentos mil membros em 1965, contra quinhentos mil da Congregação Cristã. A década de 50 também foi a década da fragmentação do pentecostalismo brasileiro. As diversas igrejas pentecostais surgidas nesse período também experimentaram crescimento exponencial, e em 1965 contavam com cerca de trezentos mil membros, sendo a Igreja Evangélica Pentecostal o Brasil para Cristo e a Igreja do Evangelho Quadrangular as mais expressivas, contando com, respectivamente, cem mil e trinta mil membros. Haveria em 1965 cerca de 2.230.144 pentecostais, equivalente a 68,5% do total de evangélicos, que seria 3.257.501, ou seja, 3,9% da população.

É difícil avaliar a confiabilidade desses números. Um dos autores, um missionário presbiteriano no Brasil, em pesquisa anterior havia estimado o número de membros da Congregação Cristã em 264.020 para 1962 e em 300.000 para 1964; da Assembléia de Deus em 600.000 para 1961 e 950.000 para 1964; e da Brasil para Cristo em 110.000 para 1964. O total de todos os pentecostais para 1964 seria 1.639.000. Teria havido então um crescimento de perto de 40% de 1964 para 1965? O mais provável é que Read tenha ajustado sua estimativa anterior. Quando de sua primeira pesquisa ele percebeu uma defasagem de trinta por cento entre as informações obtidas junto aos líderes das diversas denominações e o censo oficial. Segundo Read, ele foi conversar com os responsáveis pelo censo na FIBGE sobre essa defasagem e eles próprios reconheceram que o censo havia deixado escapar trinta por cento dos evangélicos em sua contabilidade.

A Confederação Evangélica Brasileira estimou o número de evangélicos para 1958 em 2.697.273, cerca de 4% da população. O censo oficial, que havia indicado 3,35% para 1950, indicou 4,02% para 1960. Embora outra estimativa tenha apontado 7,8% de evangélicos para 1960, o dobro do encontrado por Read, Monterroso e Johnson para 1965, o número mais real parece ser mesmo quatro por cento.

Infelizmente as pesquisas de Read não tiveram continuidade e, ademais, a Confederação Evangélica Brasileira foi extinta no período militar. Com exceção do censo oficial, até a década de 90 não foi feita nenhuma pesquisa de abrangência nacional para mensurar o trânsito religioso. Com isso, as estimativas particulares se multiplicaram. Como o pentecostalismo havia apresentado grande crescimento nos períodos anteriores, e como ele alcançava cada vez mais maior visibilidade social através dos meios de comunicação de massa e da construção de templos em lugares bastante visíveis, a tendência geral foi a de superestimar o crescimento do pentecostalismo. É verdade, porém, que esse crescimento continuou acentuado, provocado principalmente pela multiplicação das igrejas pentecostais independentes, que chegavam, literalmente, aos milhares. O percentual de evangélicos no total da população, segundo o censo oficial, seria 5,17 em 1970 e 6,62 em 1980. A estimativa para os pentecostais especificamente é perto de 3.400.000 em 1970, ou seja, 3,6% da população, e cerca de 6.000.000 em 1980, ou seja, 4,9% da população.

No censo foi muito difícil distinguir os pentecostais dentro dos evangélicos, principalmente porque o termo evangélico em algumas regiões do Brasil acabou se tornando sinônimo de ortodoxia. Por exemplo, no Recife temos a Igreja Batista do Cordeiro e a Igreja Evangélica Batista de Casa Amarela. Ambas são associadas à Convenção Batista Brasileira. Contudo, quando a igreja de Casa Amarela foi estabelecida, seus fundadores fizeram questão de afirmar que aquela seria uma igreja evangélica, e não apenas batista. No meio pentecostal ocorreu fenômeno semelhante. Em minha primeira pesquisa sobre o crescimento dos grupos pentecostais em São Paulo, efetuada em 1981, percebi que os nomes atribuídos às igrejas tinham a função primeira de distingui-las das outras no campo da ortodoxia. Algumas utilizavam a expressão "Igreja Evangélica Pentecostal" para evidenciar que eram pentecostais evangélicas e não meramente pentecostais, enquanto outras usavam a denominação "Igreja Cristã Pentecostal" enfatizando mais o caráter pentecostal. Por outro lado, havia as igrejas pentecostais oriundas das igrejas protestantes históricas que enfatizavam sua tradição. Assim, geralmente os membros das Igrejas Batistas Renovadas, ou das Igrejas Presbiterianas Renovadas, por exemplo, identificavam-se preferencialmente como batistas ou presbiterianos, respectivamente. Por fim, a multiplicação de nomes acabou provocando uma reação adversa na qual as igrejas procuravam nomes que não as identificassem com tradição alguma. Isso é particularmente verdadeiro no ambiente em que surgiu o pós-pentecostalismo. Dessa forma, a Igreja Cristã Evangélica Independente de Indianópolis, uma das precursoras do pós-pentecostalismo e sobre a qual falaremos mais tarde, passou a ser simplesmente "Cristo Salva". O fundador da Renascer em Cristo veio da Igreja Cristã Pentecostal da Bíblia. Os membros dessas igrejas não se identificam preferencialmente como pentecostais, mas usam a expressão "de Jesus". Isso também se aplica a Igreja Universal do Reino de Deus, que não colocou o termo "pentecostal" em seu nome, ao contrário das principais igrejas do desdobramento do pentecostalismo clássico: Igreja Evangélica Pentecostal o Brasil para Cristo e Igreja Pentecostal Deus é Amor.

Na década de 80 houve uma aceleração no crescimento do pentecostalismo, sem dúvida provocada pelo surgimento do pós-pentecostalismo em meados da década de 70. O censo oficial efetuado em 1991 classificou os cristãos não-católicos romanos em cinco categorias, cujas porcentagens em relação ao total da população são as seguintes: outra cristã tradicional (0,38), evangélica tradicional (2,99), evangélica pentecostal (5,57), cristã reformada não determinada (0,42) e neo-cristã (0,60). Não sabemos exatamente o que a FIBGE quis dizer com "outra cristã tradicional" nem com "neo-cristã". Como a categoria "outra" recebeu apenas 0,06%, presumivelmente todos os cristãos não católicos estão contemplados naquelas categorias. Assim sendo, é possível que dentro de "outra cristã tradicional" estejam grupos como os ortodoxos e os católicos não romanos. Dentro de "neo-cristã" talvez estejam grupos como os mórmons e os testemunhas de Jeová e mesmo os adventistas. Se este raciocínio estiver correto, o percentual de "evangélicos" seria 8,98 e de pentecostais especificamente 5,57. Isso representa em números absolutos 13.189.285 e 8.179.706, respectivamente. Os pentecostais representariam, então, perto de 62% do evangélicos. Se Read e seus companheiros estavam corretos nas estimativas citadas acima, como explicar o decréscimo relativo dos pentecostais dentro do conjunto dos evangélicos de 68,5% em 1965 para 62% em 1991? A resposta já foi dada acima. O grupo que mais cresce, como veremos abaixo, é o pós-pentecostalismo, que procura diferenciar-se do pentecostalismo clássico evitando identificar-se como pentecostal.

Tabela 1

Número de evangélicos residentes no Brasil

ano

% da população

número em milhões

1940

2,61

1,074

1950

3,35

1,741

1960

4,02

2,824

1970

5,17

4,814

1980

6,62

7,885

1991

8,98

13,189

Fonte: FIBGE

O CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs) e a AEVB (Associação Evangélica Brasileira) ecoam a percepção comum entre os evangélicos que a comunidade evangélica estaria perto de trinta milhões de pessoas. Isso é mais do que o dobro do número encontrado pelo censo. Outras pesquisas, contudo, parecem confirmar o resultado do censo. Uma pesquisa feita em 1990 pelo Gallup para o Ibrades, que é um instituto ligado à CNBB, apontou que 7,2% dos brasileiros espontaneamente se declaravam evangélicos. Em resposta estimulada, ou seja, com a apresentação dos nomes de diferentes religiões, o percentual subia para 9,6. Uma outra pesquisa, fundamentada em uma amostra de quase 21 mil entrevistas por todo o país, realizada em 1994 pelo Datafolha tomando como base apenas eleitores encontrou 13,3% de evangélicos, sendo 9,9% pentecostais. Minha estimativa é que o censo do ano 2000 indicará cêrca de vinte e quatro milhões de evangélicos, o que equivalerá a mais ou menos 15% da população. Uma parte significativa desses evangélicos estará em igrejas pós-pentecostais, que como veremos adiante, afastam-se bastante do protestantismo e, por conseguinte, do pentecostalismo clássico.

A percepção equivocada que a comunidade evangélica tem de sua dimensão é oriunda em parte de previsões triunfalistas de crescimento que não se cumpriram. Patrick Johnstone, da Worldwide Evangelization Crusade, estimou em 15,95% o número de evangélicos para 1985, em 17,4% para 1986 e, depois de ajustar suas estimativas anteriores para baixo, em 17,8% para 1992. Contudo, suas estimativas baseavam-se em um fator de crescimento igual a 3,6 para o período 1960-1985. Extrapolando esse fator para o período dos próximos vinte e cinco anos a projeção para 2010 seria de 57,4% de evangélicos. Alguns autores, trabalhando exclusivamente com essa previsão, questionaram se o Brasil estava se tornando protestante. Outros autores continuam distraidamente a utilizar essa previsão.

Diante do exposto acima, é evidente que o Brasil não está se tornando protestante. O que vemos é a perda da hegemonia católica e a consolidação de uma sociedade religiosa pluralista. Nesse novo cenário religioso ganha terreno uma nova forma de expressão religiosa, o pós-pentecostalismo, respondendo pela maior parte do crescimento dos evangélicos.

Como veremos logo mais, o pós-pentecostalismo não é um fenômeno contido por limites denominacionais, pois a semelhança do pentecostalismo em seu início, é um movimento que penetra todas as denominações, com maior ou menor intensidade. Não obstante, algumas denominações são declaradamente pós-pentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus, a Renascer em Cristo e uma infinidade de igrejas independentes. Alguns setores da Igreja do Evangelho Quadrangular e da Assembléia de Deus apresentam nítidas características pós-pentecostais, mais fortes naquela do que nesta. O traço comum a todas elas é o crescimento vertiginoso.

É muito difícil acompanhar o crescimento desse segmento, principalmente a nível nacional. A falta de estudos a esse nível pode, contudo, ser compensada parcialmente pelas pesquisas regionais. Todas elas apontam a rápida expansão desse segmento, cuja principal representante é a Igreja Universal. Fundada em 1977, chegou a ter cêrca de três milhões e meio de fiéis e um fluxo de caixa estimado em um bilhão de dólares, mas ultimamente parece ter sofrido um pouco nas escaramuças com a rede Globo e com alguns setores evangélicos.

Em Pernambuco a Igreja Universal se estabeleceu em 1981 e em 1985 já contava com três mil membros, um quarto do total da Igreja Presbiteriana do Brasil, presente naquele estado desde 1878. No Grande Rio, o Censo Institucional Evangélico, realizado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) entre 1990 e 1992, indicou que apenas nesse período foram registrados em cartório no Estado do Rio de Janeiro 710 novos templos declarados evangélicos, ou seja, quase um novo templo a cada dia. Embora não seja possível classificar esses novos templos como sendo ou não pós-pentecostais, sua implantação segue a lógica de expansão do pós-pentecostalismo. No mesmo período, mas desta vez no Rio Grande do Sul, foram registradas 125 novas igrejas de denominações pentecostais, sendo 24 delas da Assembléia de Deus. Contudo, nesse número não estão incluídas as novas igrejas da Deus é Amor, da Universal e do Evangelho Quadrangular, pois essas denominações registram suas igrejas no local da sede nacional. Apenas a Igreja do Evangelho Quadrangular teria erguido 44 novos templos no período.

Causas do crescimento do pentecostalismo

Um dos primeiros a estudar o pentecostalismo, embora tangencialmente uma vez que sua atenção estava voltada mais para o protestantismo de missão, ou proselitista, foi Emilio Willems. Antropólogo alemão que havia emigrado para o Brasil em 1931 e vivido nas áreas de colonização germânica no sul do país, Willems foi professor na Universidade de São Paulo e depois emigrou para os Estados Unidos, fixando-se na Universidade Vanderbilt. Para ele a rápida expansão do pentecostalismo ocorria porque os grupos pentecostais atendiam às necessidades particulares e correspondiam a certas aspirações das massas expostas às fortes mudanças sociais ocorridas a partir dos anos 30. O pentecostalismo funcionaria como instrumento de adaptação das massas recém-chegadas do meio rural ao mundo urbano. As comunidades pentecostais forneceriam ao migrante a coesão e a segurança necessárias para a vida em um ambiente novo e hostil, como também proporcionariam oportunidades sociais e econômicas para os adeptos. Longe do controle social e eclesiástico, forte em seu local de origem, o migrante teria sua entrada no meio pentecostal facilitada pela existência de diversas afinidades entre este e o catolicismo popular, do qual o migrante era oriundo. A adesão ao pentecostalismo também expressaria um protesto das massas contra a estrutura social tradicional e sua principal aliada, a Igreja Católica.

Em um outro texto Willems já havia exposto essa sua percepção desse caráter revolucionário das massas. Em "Protestantism and Cultural Change in Brazil and Chile", apresentado em abril de 1963 na Universidade de Notre Dame, ele diz que o pentecostalismo expressa simbolicamente a rebelião das massas substituindo o sistema de classes tradicional por uma sociedade sem classes. As massas estariam escapando do catolicismo hierárquico e autoritário e abraçando uma fé que enfatizaria o igualitarismo. Não obstante as críticas recebidas, Willems manteve sua fé no igualitarismo pentecostal.

Uma outra entre as primeiras obras buscando explicar as causas do crescimento exponencial do pentecostalismo no Brasil é a já citada obra de Read. Embora tenha antecedido ao clássico de Willems e por este sido citado várias vezes, o texto de Read não teve a mesma circulação, ficando restrito mais ao meio eclesiástico e assim, infelizmente, Read não foi muito lido. Algumas das explicações desse missionário presbiteriano para o crescimento do pentecostalismo são a rápida urbanização, a propensão dos brasileiros para o sentimento religioso, a natureza emotiva dos brasileiros, os elementos míticos e miraculosos presentes na cultura brasileira, o analfabetismo (o pentecostalismo ao passo que aceita e compreende as massas analfabetas também lhes oferece oportunidade de melhora) e o autoritarismo presente na estrutura pentecostal. Quanto a este último aspecto, frontalmente oposto à percepção de Willems, Read notou que patrão é um conceito muito importante no Brasil. As massas eram atraídas pelo pastor pentecostal pois identificavam nele o patrão que possuíam anteriormente. Este logo havia percebido que "os processos democráticos não funcionariam com pessoas que não estivessem aptas ou preparadas para as responsabilidades democráticas". Era o autoritarismo, e não o igualitarismo, presente na estrutura pentecostal que fazia as massas se sentirem em casa no pentecostalismo.

Read foi fortemente influenciado por Donald McGavran, do Instituto de Crescimento da Igreja, em Eugene, Oregon, e autor do conceito de "movimento de povos" para explicar a conversão das massas ao cristianismo. McGavran posteriormente levou seu instituto para Pasadena, California, tornando-o a Escola de Missões Mundiais do Seminário Teológico Fuller. Enquanto no Instituto de Crescimento da Igreja, em 1963, Read foi desafiado por McGavran a estudar as aproximações e distanciamentos entre o processo revolucionário em curso no Brasil e o crescimento dos evangélicos. Em seu estudo Read foi o primeiro a enxergar no crescimento do pentecostalismo brasileiro uma revolução econômica nos moldes daquela provocada pelo metodismo, percepção redescoberta e vulgarizada nos anos 90.

McGavran, ecoando essa percepção no prefácio ao livro de Read, defendeu que o crescimento do pentecostalismo seria bom para a revolução no Brasil. Os pentecostais transformariam as estruturas sócio-econômicas do país, construindo uma nova sociedade. Se os evangélicos aumentassem de cinco para cinquenta por cento da população, escreveu McGavran, surgiria uma sociedade "mais forte, mais humana, mais misericordiosa e mais justa". O primeiro a criticar essa percepção, e também aquela de Willems segundo a qual o pentecostalismo seria uma rebelião das massas, foi Lalive d’Epinay, para quem o pentecostalismo, longe de representar uma rebelião, era um refúgio para as massas temerosas de provocarem as necessárias transformações sociais. Embora extensamente citado, até hoje ninguém situou a obra desse teólogo-sociólogo dentro do contexto religioso do qual ela é oriunda. Lalive d’Epinay foi contratado em 1964 pelo Conselho Mundial de Igrejas para estudar o crescimento do protestantismo chileno e verificar se tal crescimento contribuia positivamente para o desenvolvimento do país.

É interessante observar que o título do livro de Read publicado primeiramente nos Estados Unidos em 1965 é New Patterns of Church Growth in Brazil. Já em sua edição em português, publicada em 1967, foi intitulado Fermento religioso nas massas do Brasil. A mudança de título foi uma resposta a Lalive d’Epinay, cujo texto foi primeiramente publicado em francês em 1966 e posteriormente em espanhol (1968), inglês (1969) e português (1970). Em todas as edições o título é o mesmo, Refúgio das massas, numa contraposição a "rebelião das massas" de Willems.

Os trabalhos de Read e de Lalive d’Epinay representam ideologias contrárias que estavam em conflito a nível mundial. Por um lado, o Conselho Mundial de Igrejas que havia, desde a Assembléia de Evanston em 1954, abraçado posturas cada vez mais identificadas com o que no contexto do pós-guerra era denominado esquerda. Por outro lado, o evangelicalismo fortemente missionário da costa oeste dos Estados Unidos que abominava a "tirania comunista". Em outras palavras, enquanto o Conselho Mundial de Igrejas apontava a revolução socialista como caminho para o desenvolvimento da América Latina, os setores conservadores do evangelicalismo norte-americano receitavam uma revolução nos moldes capitalistas.

A ponte entre o Conselho Mundial de Igrejas e o protestantismo brasileiro era a Confederação Evangélica do Brasil. Através de seu Setor de Responsabilidade Social ela introduzia no país as discussões que estavam ocorrendo a nível mundial sobre o papel das igrejas nas rápidas transformações sociais. O clímax dessas discussões no Brasil ocorreu em 1962 no Recife, na Conferência do Nordeste, cujo tema foi "Cristo e o processo revolucionário brasileiro". Entre os principais nomes do Setor de Responsabilidade Social estava Richard Shaull, considerado por alguns como um dos primeiros articuladores da teologia da libertação, antecedendo até mesmo a Gustavo Gutiérrez. Com o golpe de 64 os defensores da participação das igrejas nas mudanças sociais foram perseguidos, alguns mortos, outros exilados. Para Read, porém, o golpe de 64 foi uma "revolução pacífica que aplicou um golpe mortal no comunismo".

O ponto de convergência entre as análises de Willems, Read e Lalive d’Epinay, embora este último tenha trabalhado exclusivamente com o pentecostalismo chileno, é que o pentecostalismo surge em um ambiente de rápidas transformações sociais simbolizadas pela urbanização, alcançando as camadas marginalizadas no processo. O pentecostalismo seria, então, uma resposta religiosa comunitária à anomia social por parte dos grupos desenraizados em uma sociedade em transição. Lalive d’Epinay, contudo, distanciando-se radicalmente de Willems e moderadamente de Read, observa que as comunidades pentecostais não são inovadoras, ao contrário, elas são uma metamorfose do sistema social tradicional. Para ele, o pentecostalismo reproduziria no meio urbano as formas de dominação tradicionais no meio rural; o pastor desempenharia, igual ao proprietário de terras, o papel de agente relacionador de seu grupo com a sociedade. Quanto ao igualitarismo nas comunidades pentecostais defendido por Willems, Lalive d’Epinay observa que se por um lado é verdade que o acesso a todos os cargos está em aberto no pentecostalismo, por outro lado o poder é exercido de maneira autoritária e hierárquica.

Reconhecendo as limitações da aplicação do conceito de anomia na explanação das causas do crescimento do pentecostalismo--a principal dificuldade é explicar a eleição de uma determinada religião pelo indivíduo--Fry e Howe buscaram explicação nos elementos de experiência social expressos na estratégia pessoal. As igrejas pentecostais atrairiam "aqueles que tiveram alguma experiência de relações sociais ‘burocráticas’, ‘impessoais’ e que acharam tal modo de ordenar a vida social satisfatória e conveniente". Por sua vez, Rolim recorre aos modelos de classes sociais. O pentecostalismo atrairia principalmente os indivíduos de uma nova pequena burguesia, ou uma classe média baixa, aqueles localizados no setor de serviços, entre os trabalhadores assalariados e a classe média. Seria uma classe indefinida, sem coragem para se engajar no conflito de classes, cuja aspiração seria tornar-se classe média. Conclusão semelhante é a de Stoll, para quem o pentecostalismo é politicamente passivo e por isso tem atraído as massas que não concordam com o engajamento político do catolicismo progressista. Corten também concorda que os pentecostais não participam objetivamente do espaço político, sendo as condições de empobrecimento um fator de crescimento do pentecostalismo.

Alguns autores, por outro lado, ressaltam que o pentecostalismo capacita os indivíduos dos setores populares para participação efetiva na vida moderna. Por exemplo, a ética ascética e de poupança do pentecostalismo estabelece uma resistência singular à ética hedonista brasileira, o pentecostalismo encoraja a ação coletiva e desenvolve a conscientização social e participa na luta contra as injustiças contribuindo para o melhoramento da sociedade. Por fim, outros autores apontam os méritos das próprias igrejas: dinâmica expansionista, prática religiosa emocional, cuidado pastoral, mensagem significativa para seu público alvo, utilização eficiente dos meios de comunicação de massa e motivações "espirituais".

Essa diversidade de interpretações das causas do crescimento do pentecostalismo indica, por um lado, que o pentecostalismo é um fenômeno não apenas multifacetado como também paradoxal que se revela de diferentes formas em diferentes circunstâncias, e por outro lado, que os analistas são parciais em suas interpretações. Nesse mosaico de interpretações, contudo, ainda há espaço para contribuições que, como peças de um quebra-cabeça, talvez se encaixem nas existentes e produzam um quadro mais nítido. Uma contribuição necessária é uma melhor compreeensão dos primórdios do pentecostalismo no Brasil, pois a maioria das análises foram feitas a partir do momento em que o pentecostalismo adquiriu grande visibilidade social, ou seja, a partir de seu crescimento exponencial nos anos 50.

Um dos únicos autores mencionados até agora que se preocupou com a gênese do pentecostalismo, em São Paulo e em Belém, foi Rolim. Ele apontou o desenvolvimento da Congregação Cristã em suas primeiras décadas quase exclusivamente no meio de imigrantes italianos. Mas como Willems, ele não analisa o catolicismo desses imigrantes, apenas assumindo que tal catolicismo seria igual ao catolicismo popular brasileiro. Em relação aos primórdios da Assembléia de Deus, a compreensão que Rolim demonstra das condições sócio-econômicas do norte/nordeste do início do século permite algumas complementações, tendo em vista que em nenhum momento ele relaciona o início do pentecostalismo em Belém com o ciclo da borracha. E é exatamente o ciclo da borracha que provocará uma anomia social que por sua vez facilitará a inserção e a expansão do pentecostalismo no norte/nordeste do Brasil.

No final do século dezenove a expansão da atividade industrial na Europa e nos Estados Unidos aumentou sobremaneira a demanda por borracha. Não possuindo substituto até então, a borracha natural se tornou uma commodity bastante cara. Uma tonelada de borracha manufaturada chegou a custar, em 1908, mil vezes mais do que uma tonelada de aço. Como a Amazônia era reconhecida como a fonte mundial dos melhores tipos de borracha bruta, a região atraiu centenas de milhares de pessoas em busca de fortuna. Barham e Coomes mencionam um relato de Kenneday, o cônsul americano em Belém, informando que em setembro de 1903 em apenas uma semana cinco mil homens haviam deixado Belém em direção aos seringais. Por causa da borracha, a população não nativa da Amazônia passou de cerca de 300.000 em 1860 para mais de 1.200.000 em 1910. Durante o pico do ciclo da borracha, em 1910, o ano em que Vingren e Berg chegaram a Belém, cerca de 150.000 homens estavam extraindo látex na Amazônia brasileira.

Com a borracha, a renda per capta da região passou de 49 dólares em 1840 para 323 dólares em 1910. Belém, Manaus e Iquitos, esta no Peru, conheceram grande crescimento econômico. Belém era não apenas um centro de recrutamento de trabalhadores, mas também um local para onde os trabalhadores retornavam para gastar seu dinheiro no período fora da estação de extração de látex. O comércio era frenético, assim como os serviços urbanos. O porto era bastante movimentado com navios de grande calado provenientes de todas as partes do mundo (a borracha chegou a responder por 38% das divisas brasileiras). A drenagem contínua de mão-de-obra para os seringais elevava substancialmente o salário da mão-de-obra não especializada em Belém. Com isso, no início do século tal salário chegou a ser cerca de cinco vezes maior do que aquele no nordeste.

Dessa forma, não é surpreendente que a grande maioria dos migrantes fossem nordestinos, principalmente os cearenses castigados pelas secas da década de 1870. Patrocinados pelo governo brasileiro eles partiam para a Amazônia em busca de uma vida melhor simbolizada pela borracha. Contudo, sem conhecimento da floresta e impotentes diante da malária, febre amarela, beri-beri e acidentes naturais, muitos dos trabalhadores morriam na empreitada. O mesmo Kenneday, em outro relato, diz que de cada cem trabalhadores que deixavam Belém, setenta e cinco morreriam ou abandonariam os seringais por causa de doenças. A sorte dos que sobreviviam não era muito melhor.

Ao analisar as relações de trabalho nos seringais, Barham e Coomes notaram que os caboclos, nativos da Amazônia, se integraram na economia da borracha como extratores independentes ou semi-independentes. Já os cearenses eram contratados para trabalharem em grandes propriedades, distantes das áreas urbanas, sob uma relação patrão-cliente bastante desfavorável. Nos tempos difíceis os cearenses teriam que buscar no patrão auxílio para a compra de alimentos e de medicamentos, gastando de antemão o salário previsto. Por isso, os cearenses, com raras exceções, não conseguiram acumular capital.

Quando os preços da borracha amazônica colapsaram no início da década de 1910, devido a oferta do produto oriundo das plantações asiáticas, muitos dos nordestinos que haviam vindo em busca da fortuna retornaram desiludidos para sua terra. Entre eles estavam aqueles que, não tendo encontrado a salvação na borracha, encontraram-na na mensagem pentecostal. Não por acaso em 1920 a Assembléia de Deus já estava estabelecida em seis estados nordestinos.

A expansão do pentecostalismo no nordeste, portanto, é efetuada por leigos. Os pastores viriam posteriormente para organizar as congregações. Trazido na bagagem dos migrantes em seu retorno, o pentecostalismo é inicialmente rural. Apenas posteriormente, quando a migração campo-cidade e a migração para o sudeste se acentuarem, é que o pentecostalismo nordestino será majoritariamente urbano. Assim, o pentecostalismo urbano no nordeste será em um primeiro momento expansão do pentecostalismo rural. Nesse processo, como observou Hoffnagel em seu estudo da Assembléia de Deus do Recife, houve uma transposição da ordem social rural tradicional para o meio urbano. Os pentecostais saíam do Egito, mas levavam Faraó consigo. Portanto, nesse momento não se pode apontar a urbanização em si como causa do crescimento pentecostal, tampouco é possível ver nesse pentecostalismo um protesto social.

Em São Paulo a Congregação Cristã se expandirá da capital para o interior, quase exclusivamente entre italianos, e depois crescerá bastante na capital entre os migrantes, majoritariamente oriundos de Minas Gerais, muitos com sangue italiano. Já a Assembléia de Deus se tornará eminentemente urbana expandindo-se do norte/nordeste para o sudeste, principalmente para o Rio de Janeiro. Muitos dos migrantes levariam consigo, além da cara e a coragem, a fé pentecostal. Inspirado em Abraão, o migrante de Deus, o migrante pentecostal trazia a Bíblia em seu matulão. É nesse momento que a Assembléia de Deus começa a experienciar crescimento exponencial. Aí sim a anomia social causada pela rápida urbanização desempenhará papel importante no crescimento do pentecostalismo. Este oferecerá aos migrantes, normalmente pertencentes às classes mais baixas, meios para uma efetiva adaptação à sociedade urbana. Ademais, e principalmente, o pentecostalismo fornecerá aos recém-urbanizados novos valores ao redor dos quais eles reconstruirão sua cosmovisão, conferindo sentido para suas vidas. No centro desses valores estava a concepção pré-milenista da inauguração iminente de um mundo novo no qual os fiéis desfrutariam de prestígio e poder. Essa esperança escatológica na justiça divina era atestada e atualizada pelo batismo do Espírito Santo. A glossolalia, não uma língua estrangeira mas a língua dos anjos, era a confirmação dessa nova cidadania celestial.

Enquanto o clero católico, devido a diversas limitações, abandonava grande parte dos novos urbanos, os elementos do catolicismo popular forneciam a estes últimos uma ponte de contato com a pregação pentecostal. O pastor pentecostal substituiu a benzedeira. As novenas deram lugar aos cultos nos lares. As quermesses foram abandonadas por outros tipos de convívio social. Os santos, impotentes no meio urbano, se curvaram ao Deus todo-poderoso. Significativo nesse processo foi o papel da conversão. O migrante, que já havia sido forçado a abandonar sua terra e seus valores, em protesto agora abandonava seus deuses, vingando-se deles pois foram incapazes de impedir o desmoronamento do mundo. A conversão representava uma ruptura radical com o passado, não importando o quão inaceitável ele era. Livre do peso do passado, o converso era uma nova pessoa, pronta para recomeçar uma nova vida.

O pentecostalismo não foi a única alternativa que os novos urbanos encontraram para a reestruturação de sua cosmovisão e para uma efetiva inserção na sociedade urbana. No Recife o xangô e a umbanda se tornaram opções atraentes, tendo em vista a existência de cerca de seis mil centros de umbanda e xangô no Grande Recife em 1975. No Rio Grande do Sul haveria 11.680 registros de terreiros de umbanda, linha cruzada e batuque em 1988, podendo o número real ser maior, pois as entidades religiosas não são obrigadas a se registrarem. A umbanda também atraiu muita gente em São Paulo e no Rio de Janeiro, embora seu crescimento não seja detectado pelo censo oficial. Se por um lado o censo de 1991 apontou em todo o Brasil apenas 648.489 adeptos de candomblé e umbanda, o que corresponde a cerca de 0,44% da população residente, por outro lado o senador Darcy Ribeiro, que é umbandista, diz que na passagem de 1996 para 1997 perto de quatro milhões de pessoas encheram a praia de Copacabana para cultuar Iemanjá. Em Salvador, segundo estimativas da Polícia Militar cerca de 1,2 milhão de pessoas participaram da festa do Bonfim em 1997, na tradicional lavagem das escadarias com água-de-cheiro.

Analisando o desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil vemos que seu período de crescimento exponencial se deu nas décadas de 50 e de 60, quando sua participação percentual no total da população aumentou 382% e 94%, respectivamente. Na década de 70 esse aumento foi de 37% e na de 80 apenas 14%. Por outro lado, o percentual de pentecostais no conjunto dos evangélicos, que vinha subindo continuamente, começou a cair na década de 80. Esse fato se deve à metamorfose de um determinado segmento do pentecostalismo na década de 70.

Em meados dos anos 70 já existe uma geração urbana de pentecostais. Essa geração não conhece nem o catolicismo popular nem o trauma da migração. Esses pentecostais são alfabetizados, e em geral vivem melhor que seus pais. Eles forçarão algumas mudanças no pentecostalismo que conheceram quando crianças. A conversão, para eles, não é uma ruptura radical com o passado. Por outro lado, o público alvo da pregação pentecostal já não é mais os migrantes desenraizados, mas uma população urbana totalmente inserida na economia capitalista. Essa população não almejava apenas sobreviver no meio urbano, como seus pais, mas desfrutar da sociedade de consumo na qual nasceram. Como em uma situação de rápidas transformações sociais quanto mais ajustada uma resposta está em um determinado momento mais desajustada ela estará no próximo, a mensagem pentecostal se tornou anacrônica. A esperança de um reino futuro já não é atraente. O que seduz agora é um reino de Deus presente, universal, cujo desfrute está acessível a todos. Ademais, o arrefecimento do fluxo migratório, agora direcionado do sul para o noroeste, diminui substancialmente o público recém-urbanizado, tradicional celeiro de pentecostais. Isso forçará o pentecostalismo a buscar conversos nas outras religiões urbanas, principalmente na umbanda. Nessa nova realidade surge o pós-pentecostalismo, que se diferencia tanto do pentecostalismo clássico como do protestantismo tradicional.

Tabela 2

Crescimento do pentecostalismo brasileiro

ano

número em milhões

% da população

% dos evangélicos

1940

0,10

0,29

9,3

1950

0,20

0,38

11,5

1960

1,30

1,83

45,6

1970

3,40

3,55

68,7

1980

6,00

4,88

76,1

1991

8,18

5,57

62,1